“Então as aulas acabam as 16.30, correto?”
“Sim, mas depois ele segue para o ATL”
“Certo, e se marcássemos a sessão para as 18.00 então?”
“Não pode ser, ele a essa hora está a ir para a natação…”
“Então, a que horas poderia ser?”
“Não sei, mas provavelmente entre a aula, o balneário e o trânsito… Por volta das 19.30?”
“A essa hora o serviço já está a fechar e possivelmente fica muito tarde para depois o menino sair daqui as 20.30 e ainda ir jantar, brincar um pouco e dormir… Se calhar a outro dia da semana, o que acha?”
“É um pouco indiferente sabe, é que tem a natação as terças e quintas, depois tem o futebol às quartas e sextas, e tem dias em que depois ainda tem o piano e a explicação… Normalmente só estamos a jantar as 21… E é sempre uma correria, fica impossível a correr de um lado para o outro… Estar na cama às 22.00 é sempre um desafio…”
“Então quando é que ele brinca?”
Silêncio…
Esta conversa não é nenhuma conversa em particular, mas podia ser tanta conversa que tenho tido com diversos pais neste início do ano. Praticamente todos. Quase todos os pais que contactei no início deste ano letivo me disseram que o horário que preferiam seria o horário das 19.00 às 20.00, dado à indisponibilidade das crianças.
Então decidi fazer algumas contas: a maioria das crianças está na escola a ter aulas entre as 8.30 e as 16.00, sobrando depois o lanche que dura até as 16.30. Após este período costumam ir diretos para o centro de estudos ou para o ATL onde ficam, de novo a estudar, a fazer TPC ou outras tarefas académicas, até as 18.00. Após este período quase todos eles costumam ter atividades desportivas ou culturais que se prolongam até as 19.30. Se analisarmos bem estamos a pedir às nossas crianças que tenham um dia de trabalho entre as 8.30 e as 19.30. Isto significa 9 horas de trabalho intensivo, a crianças que frequentemente não têm mais do que 10 anos.
Pior, ainda pedimos isto às nossas crianças obrigando as mesmas a estar a maioria do tempo em silêncio, paradas e concentradas. E quando no final do dia a energia extravasa questionamos sobre o porquê.
A realidade é que algures no tempo nos esquecemos do que significa ser criança e da sua principal obrigação: brincar. Hoje tenho crianças em consulta que não sabem escolher uma brincadeira, que não sabem dizer qual o seu jogo preferido ou qual a parte da semana que gostaram mais.
Apesar de termos anos de investigação em educação e desenvolvimento infantil, continuamos a querer a toda a força que as nossas crianças sejam pequenos adultos que obedecem a horários laborais.
Compreendo e aceito perfeitamente a necessidade de praticar atividades extracurriculares. Aliás, enquanto terapeuta até aconselho diversas segundo o perfil das crianças e comprometo-me a falar deste tema com mais calma futuramente.
Mas temos de nos lembrar que estas atividades, junto com um ATL e uma escola não podem roubar o tempo de exploração de uma criança. Como já aqui disse, a criança aprende a explorar o ambiente, e esta estará altamente condicionada se não lhe for permitido sair para o meio envolvente.
Outro problema prende-se com a formação da personalidade da criança. A criança precisa de não fazer nada. Este tempo é fundamental para que ela aprenda a tomar decisões sobre o que quer fazer. É preciso deixar as crianças aborrecerem-se para que estas mesmas crianças aprendam do que gostam de fazer e o que gostam de explorar, sem que isto lhes seja imposto por um horário rígido e sem tempo para ela própria.
Ainda, é impossível pedirmos a crianças que aprendam quando o cérebro delas está constantemente em esforço. A nós adultos acontece o mesmo. Quando temos um dia inteiro de frente para um ecrã torna-se altamente difícil estar concentrado e ser produtivo e nós já temos mecanismos que nos permitem lidar com esse tipo de frustração. Mas se para nós é difícil, imaginem para uma criança que ainda está a aprender a regular-se.
Sei que as obrigações do quotidiano e dos nossos horários condicionam os das crianças. Mas vamos permitir que as crianças tenham o direito a ser crianças, ou teremos uma geração de adultos que não vai compreender o quão bom é brincar.
Veja o vídeo: Melhores recreios, melhor rendimento escolar!
Da necessidade de comunicar com os pais, educadores e restantes intervenientes nasceu a plataforma Terapeuta Ana Fonseca que não é nada mais do que uma forma de comunicação sobre a temática mais fascinante do mundo: as crianças.
4 comentários
Revejo-me neste quadro. Preocupa-me pensar que posso a estar a fazer mais mal do que bem ao meu filho. Todavia, gostaria de salientar que não o faço para me “descartar” da responsabilidade do meu papel. Até porque durante esses períodos eu estou lá também, não vou para o quentinho da casa, adiantar o jantar, nem vou para o spa, nem para o ginásio, nem para o shopping, nem beber café com as amigas, nem ao cabeleireiro ou à esteticista. Simplesmente estou lá, debaixo do frio e da chuva no Inverno ou a levar com o sol e o calor no Verão, isto porque a actividade de tempo livre que o ocupa mais é o futebol. Quando posso, aproveito para esticar as pernas ou simplesmente ler, é o máximo de mimo que dedico a mim própria!
Enfim, vou pensar no que está aqui escrito, pois diz-me bastante. Sinto que levei com um balde de água fria pela cabeça abaixo … se ainda ao menos tivesse sido pelo desafio da ELA 🙂 !
Mercado de Troca de Brinquedos e muitas brincadeiras em Almada até 18/12, enquadrado no Mercado de Natal Amigo da Terra com o apoio da Câmara Municipal de Almada. O nosso stand Play on! espera a vossa visita! Já brincaram hoje? pensam brincar amanhã?
https://www.facebook.com/events/1751140545210701/?active_tab=discussion
Hoje em dia, infelizmente, os pais precisam que os seus filhos tenham actividades, 7 dias por semana, para fugirem da sua principal condição, o de serem pais, de brincarem com os seus filhos, de lhes dar atenção, mimo, carinho. É muito mais fácil, chegar a casa tarde, dar-lhes de jantar e pô-los na cama, do que brincar com eles.
Verdade Sónia!!