
No caminho para creche da minha filha passo por um sem número de tipos de mães.
A stressada, que anda a mil à hora e quase arrasta os filhos pelo passeio fora, a delicada, que sussurra palavras doces enquanto os diabretes trepam às árvores, a carinhosa (não deviam ser todas?) que ajeita o laço no cabelo da filha enquanto ela saltita na passadeira, a despachada, que leva dois filhos ao colo e dá indicações ao terceiro para que não se afaste.
Não sei que tipo me atribuem, até porque acho que somos muito mais que um simples rótulo, mas para muita gente sou a chamada “chata”.
- Não pego na minha filha ao colo de cada vez que chora
Ela chora porque quer atenção, porque se saímos da sala sente que ficou sozinha no mundo e chora muito sentida. Está nessa fase e tento não resolver a situação pegando-lhe imediatamente ao colo. Falo com ela, canto, distraio com brinquedos. E às vezes pego-lhe ao colo. Há guerras desnecessárias que não vale a pena comprar. - Não deixo a minha filha comer de tudo
Não é por mera embirração, simplesmente ela – aos nove meses – ainda não pode comer de tudo, por mais que as pessoas tendam a não conseguir aceitar isso. Não, ela não vai pegar nessa batatinha frita cheia de óleo e sal, comê-la e lambuzar-se.
Não, ela não precisa de uma pitadinha de sal na sopa nem de uma colher de açúcar no iogurte natural. Está a conhecer os sabores das coisas, aqueles sabores que acabámos por nos esquecer, de tantos aditivos que acrescentamos. Está a deliciar-se com a simplicidade e a complexidade natural da comida. E acredito que o bem que lhe faz compensa os comentários que às vezes ouvimos. - Não deixo a minha filha meter na boca tudo o que apanha
Agora que começou a gatinhar encontra de tudo um pouco pelo caminho, mesmo quando temos a certeza de que os objectos estão todos arrumados ou bem escondidos. E sim, não a deixo brincar com esferográficas, nem com o carregador do telemóvel ou as chaves de casa – avisei que sou chata, não avisei? - Não dou à minha filha tudo de bandeja
Sou chatinha e deixo os brinquedos mais longe, para que ela os venha buscar. Se lhe der tudo sem estimular vai ficar uma panhonha. E provavelmente começar a andar só quando entrar para a faculdade. - Ando com uma muda de roupa extra na mala
Foi um bebé bolsão, ainda o é um bocadinho e não há roupa que resista às bolachas Maria. Quando acaba de comer uma, coisa que demora quase meio século, é como se tivesse enfiado a cara no prato da papa. A cara, as pernas, as mãos… Por isso, sim, gosto de a limpar e de lhe trocar a roupa quando é caso para isso. Nos outros dias ando simplesmente carregada demais. - Ponho-lhe protector solar todos os dias
Mesmo sendo o maior desafio das nossas manhãs, em que ela vira o demónio da Tazmânia assim que vê a embalagem de protector solar (e percebe que não serve só para morder). Ela tem a pele escura, mas a pele escura apanha sol como as outras. Pode não ser tão sensível, mas a radiação quando nasce é para todos. Mais tarde, quando tiver uma pele saudável e sem rugas espero que me agradeça. - Encho a minha filha de beijos e abraços em demasia
Esse podia ser outro rótulo para mim, para além de chata. Beijoqueira. Muito beijoqueira. Aperto-a com todas as minhas forças. Inspiro o seu cheiro como se o mundo acabasse em três segundos e precisasse de levar comigo algo muito precioso. Faço cócegas e aperto-lhe a barriga para se rir. Canto-lhe a toda a hora. Explico-lhe coisas que ela não compreende. Aponto-lhe pormenores de coisas que ela não vê. Conto histórias de pessoas que não conhece. Peço-lhe para ser boa com ela, com os outros. Para crescer saudável, mesmo que isso não dependa dela. Para se respeitar. Para ser educada. Para ser feliz. Peço mas tento dar em dobro. Não coisas, mas pequenos gestos que espero que a acompanhem sempre. Cumprimentar as pessoas quando chegamos a algum lado. Agradecer quando nos seguram a porta ou nos deixam passar na passadeira. Reparar quando são simpáticos connosco e desejar termos melhor feitio que algumas pessoas que de manhã já estão muito contrariadas.
Sorrir quando vemos um livro que gostamos de “ler” as duas, dizer em voz alta o nome das pessoas para ela se habituar a eles. Dar bom dia ao sol que nos entra pelo quarto de manhã, todos os dias, independentemente do tempo que está. Pequenos gestos, grandes pegadas. Para que ela se torne uma pessoa decente, que tenha orgulho em quem é, de onde vem, de como cresceu.
Marta Coelho