Há dias falei com um amigo de longa data. Daqueles que só falamos uma vez por ano, mas é como se tivéssemos falado ontem. O tempo passa e fica tudo igual. Perguntou-me pelos miúdos, e rematou com “quem diria, tu com quatro filhos”.
De facto, aparentemente ninguém diria, porque sempre que encontro alguém que não vejo desde os meus tempos de juventude “tu com quatro filhos…”.
A verdade é que sempre quis ter muitos filhos mas nunca planeei nada. Eu sempre fui a miúda sem planos, a descomplicada deixa andar desta vida. O que tem de acontecer, acontecerá. Sem pressas.
Qual marinheiro, faço amigos onde quer que vá, e mantenho-os por perto. Uns mais outros menos, mas no fim, estão todos à distancia de um telefonema. Ligo o skype, está a chamar…o bebé chora, vou lá ver. Ouve-se: Então? Não está ninguém?…Se calhar são os miúdos… Grito: Espera, estou a mudar uma fralda… Já vouuuuu!
Falamos para os gadgets como se as pessoas estivessem ali, do outro lado da parede. Mas estão do outro lado do computador, no outro lado do mundo. E continuam a fazer o jantar e a ver o futebol, como se fossem uma extensão da minha casa, da minha família para a deles. No fim:… tu com quatro filhos”
Eu, com quatro filhos. Todos diferentes. Eu fui feita para amar quatro filhos. Eu fui feita para amar assim. Cada um dos meus filhos me ensina coisas diferentes, e quero continuar a aprender tudo o que de maravilhoso me podem transmitir. As crianças dão-nos lições de vida.
Não tive medo de ter mais filhos, mesmo depois de descobrírmos que um tem uma doença rara. Cardíaca. A dificuldade em diagnosticar foi imensa. Ele estava doente e tudo o que lhe era prescrito pelo médico, em nada mudava a sua condição. Eu via o meu filho a piorar de dia para dia e ninguém o conseguia ajudar. O seu coração estava a falhar em silencio, e eu não sabia. O sofrimento no diagnóstico foi, também, imenso.
–O seu filho tem a Doença de Kawasaki. 3 em cada 100 mil crianças são diagnosticadas em Portugal com esta doença
–Como?… o que é que me está a dizer? – Primeiro a incompreensão depois os porquês.
-Lamento, mas sabe-se pouco sobre a doença, não há uma causa, não é contagioso, não é hereditário, e não há um teste diagnóstico. Também não há prevenção.
…com um nó na garganta: tem cura?
–vamos com calma, já está diagnosticado. Agora vamos ver como reage ao tratamento…
O tempo, aqui, parou, com o meu coração.
Eu fui feita para amar assim. Todos os dias sofro por pensar no que lhe pode acontecer de futuro. Antes de atender um telefonema do colégio já estou de lágrimas nos olhos: atendo. – Houve um acidente na aula de educação física… o seu filho partiu o braço. Respiro de alivio. Sorrio.
Cada conquista deles é uma alegria infínda em mim, e por isso suporto todas as suas dores, todos os seus medos, todas as suas angustias. Os amigos que já não são amigos, os crescidos que chateiam no recreio, as meninas que arranjam outro namorado do nada, o ser gozado por ser diferente.
Eu aguento tudo.
Porque eu fui feita para amar assim. Quatro vezes.
Por Inês Pinto Correia, Todos os direitos reservados
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6 comentários
Fui feita para amar…
Parecia que estava a ouvir a minha mãe… Ou o meu pai! Criaram, educaram, choraram, amaram por 13 filhos… Acidentes, operações, cabeças partidas, narizes sangrentos… Sorrisos, gargalhadas, partidas, brincadeiras… Tudo o que faz a família crescer, valores, defeitos, feitios, personalidades, muita Fé na Divina Providência! Poucas horas de sono, repreensões… Assim é também o meu dia a dia antes com 12 irmãos, e hoje Mae também de 4 filhos! 4?? Tantos?? Foram todos desejados?
Vivemos, sobrevivemos numa sociedade egoísta, individualista, pobre de espírito e valores… E sorrimos qd um médico nos dá uma má notícia, não há tempo para angústias, depressões… Aceitamos e acreditamos que o dia de amanhã será melhor porque Deus não se esquece de ninguém!
A frase que fica do meu querido pai que partiu cedo, mas serena de uma vida de muito trabalho pelas famílias numerosas; se queres ver o teu filho feliz dá-lhe um irmão, nas se queres mesmo que seja muito feliz… O resto saberão!
Parabéns por esta crônica maravilhosa! Que chegue a muitas famílias…
Adorei e pensei cá com os meus botões – já envelhecidos pelo tempo de uso – que ainda bem que há pessoas felizes no meio de tanta adversidade. Isso revela uma boa formação estrutural, moral, assente em pontos fortes, assentes na força, na Fé e na alegria de viver. O caminho é sempre para a frente porque pessoas que sabem tirar partido dos momentos felizes sabem como dar alegria aos outros, neste caso vertente aos seus filhos e família e também partilhá-los um pouco com os seus Amigos chegados. Não fazer de tudo um drama, é a palavra de ordem. Um grande e apertado abraço de uma Avó que compreende bem esta Mãe. Muitos parabéns por ter a coragem de partilhar connosco esta sua profunda reflexão e que nos ajuda a repensar na vida e no modus vivendi. Abraço grande.
<3
Força! E continue a amar assim
E para estar sempre a expor os filhos na net também?!
Tudo vai ficar bem e numa família com amor vão saber lidar com as adversidades.
A minha filha mais velha foi diagnosticada com um problema cardíaco por acaso com 30 dias no hospital (onde fomos porque estava sempre entupida sem conseguir respirar à noite). Depois de começar a ser seguida por cardiologistas pediátricos, de ter que ficar em casa porque não podia ficar doente (coisa que aparentemente nenhum médico compreendia, excepto o cardiologista que dizia em respostas que os outros médicos não percebiam muito de problemas cardíacos em bebes…), foi operada com 14 meses. Ficou com medos irracionais de barulhos como berbequins e teve complicações que fizeram com que ficasse com o início de uma ulcera depois, que num hospital publico não foram capaz de diagnosticar e só foi resolvido num hospital privado quando acampamos à porta da gastroentrologista pediátrica (que tinha as consultas cheias para os meses seguintes).
Estar entupida era devido a uma alergia ao leite de vaca, que passa pelo leito materno, coisa que nenhum médico diagnosticou também até aos 7 meses, depois de eu ter a certeza que seria isso porque sem leite na nossa dieta tudo passou (e acabaram os choros de horas seguidas e já dormia sem ser ao meu colo) e corremos vários alergologistas até à prova alimentar que provou a alergia.
Também já tivemos uma febre de 40ºC durante mais de uma semana não só nela mas também na irmã mais nova (que tinha 22 meses), perfeitamente normal para os médicos que a viram (incluindo um otorrino), mesmo que não se levantassem da cama nem para ir à casa de banho e só bebessem leite de soja sem comer mais nada, até que lá fizemos 300km e fomos ao otorrino do hospital privado do costume que ficou chocado que as tenham deixado andar assim com o que era claramente uma otite interna (podiam ter ficado com problemas auditivos), e que mandou fazer o tratamento e voltar lá mesmo (mesmo que tivéssemos que fazer os tais 300km).
Isto para dizer que por vezes as saúde deles prega partidas e os médicos não sabem tudo e demoram a resolver, mas que são apenas alguns meses da vida e que depois ou ficam a 100% ou aprendemos a viver com isso.
A nossa filha mais velha adora médicos e consultas (hospitais às vezes não), é muito inteligente, criativa, adora desportos que a maior parte das crianças de 4 anos não pratica (mesmo que a primeira reacção seja gritar de medo!), as únicas sequelas que tem é uma cicatriz e medo de barulhos, pela alergia que é vai ser alérgica ao leite para o resto da vida mas não nos faz falta (e fazermos os nossos bolos por exemplo é muito mais divertido). Crescemos muito, mudámos muito a nossa vida. Viajamos de carro para podermos levar comida até arranjarmos onde comprar coisas seguras (depois de uma 1ª experiência menos boa com uma viagem de avião) e acampamos ou ficamos em apartamentos porque temos que ser nós a cozinhar, mas viajamos à mesma e ficamos muito mais imersos na cultura local (Espanha, França e Marrocos são aqui ao lado).
Mas de facto não há comparação ao amor e crescimento que se tem com os filhos, ainda mais quando há adversidades, e bate todas as viagens “chiques” que os nossos amigos sem filhos fazem uma vez por ano nas poucas férias que têm do trabalho de 14 horas e das festas nocturnas com os amigos ao fim de semana (mesmo que eles não percebam).
As melhoras para o pequeno e tudo de bom para os 4 filhos e 2 pais 😉