Licença de Maternidade. Mais que um direito, uma atitude.
Entre 1913 e 1915, a América seguiu atentamente uma dura batalha judicial que haveria de mudar radicalmente a forma como as mulheres-mães eram encaradas nos seus locais de trabalho. Uma professora de Nova Iorque, Bridget Peixotto, despedida por estar grávida. Foi acusada, condenada e demitida pelas autoridades, com base na “negligência do dever de ir trabalhar, com o propósito de dar à luz”. A história e o exemplo singular de Bridget Peixotto, foi o que me inspirou a escrever este texto. Porque metaforicamente também eu me condenei, e demiti do meu papel de mãe, ao ir trabalhar ainda a minha pequena bebé não tinha feito dois meses.
O adiamento da maternidade de mulheres em idade fértil por motivos profissionais, e a licença parental, vulgo, maternidade/paternidade, ocupam os lugares cimeiros no ranking da desolação em que se tornou a procriação em Portugal.
Estamos numa era em que a maternidade é assumida como uma espécie de presente comprado muito antes do tempo. Embrulhe-se. Não é para usar agora.
A licença de maternidade é, em primeira instância, o motivo pelo qual as mulheres adiam a maternidade. É estranho que 150 dias – uma gota de água num mar de longos e fatigantes anos que dedicamos à atividade profissional – possam ser na maioria dos casos a razão basilar para adiar a experiência de ter um filho.
Erradicava-se esta peste negra de 150 dias de abstinência profissional e era ver as entidades empregadoras a respirarem de alívio.
O tom irónico que imprimi à frase anterior é isso mesmo, irónico, porque a irradicação e/ou a diminuição do tempo de licença de maternidade, é um erro e uma falácia patronal, fria e calculista.
É absolutamente primário considerar que cinco meses de licença é mais do que suficiente para uma mãe ‘encaminhar’ o seu pequeno bebé. Para preparar o seu regresso ao trabalho. Preparar-se para a separação diária do seu filho pequenino. E é muito pouco, arrisco-me a dizer insignificante, sobretudo (ou por exemplo) para uma mãe que necessita de aceitar, preparar e encarar a vida de um filho com problemas de saúde, tantas vezes sem respostas imediatas na sociedade, que as fazem perder os empregos por faltas mais do que justificadas ao trabalho, para correr atrás das soluções para os problemas dos seus filhos.
Cinco meses são pouco.
Cinco meses são pouco, para acalmar o sistema hormonal ou alguma depressão pós-parto mais acentuada. São pouco para aceitar que a partir daquele momento o tempo mãe-filho ficará irremediavelmente reduzido a duas ou três horas diárias, repartidas entre jantares e banhos, trabalhos de casa e higiene do lar, trabalho acumulado no escritório, amamentação, dietas e desporto, consultas e vacinas, e toda uma infinidade de tarefas que as mães-trabalhadoras têm de assumir simultaneamente.
Cinco meses são pouco para uma mãe se recompor de uma gravidez imensa e cansativa, tantas vezes problemática e cheia de dúvidas, e são pouco para entregar um filho que esteve dentro de si durante tanto tempo, às mãos de educadoras, amas, e instituições, que nunca viram, que não sabem o que são, como funcionam, e que nunca serão as melhores ou suficientemente boas para lhes entregarem o coração, e um filho.
Quando a minha filha nasceu, quase que entre uma semana de trabalho e outra, vivia assoberbada com uma empresa que não me trouxe nada de bom ou de novo. Tirou-me sim um tempo precioso que nunca mais vou ter, de curtir o meu bebé descansada, sem correrias, sem reuniões, sem telefones a tocar e sem gente a entrar e a sair.
Cortei a mim própria a possibilidade da amamentação
Cortei a mim própria a possibilidade da amamentação. Porque era impossível amamentar uma criança com um escritório para gerir. Mesmo com a ajuda de bombas elétricas que me sugavam os nervos, a paciência e às vezes algum leite, e por mais que eu me convença, agora, tentando escamotear aquilo que teima em vir à tona, que o tempo que roubei a nós duas pouca diferença fez ou faz na nossa vida, a verdade é que eu troquei por ansiedade e alguma imaturidade um tempo essencial, único, um tempo que se quer monótono, repetitivo e calmo, como é o dos primeiros meses de vida de um bebé, por uma coisa banal, como é (na verdade) um emprego, apesar das dificuldades que todos sentimos atualmente.
Aquilo que dei à minha filha foi tudo menos uma rotina. Isso de certeza que terá influência na sua personalidade. Quando ela precisava de mim toda para ela, eu decidi dividi-la com a minha empresa, com os meus clientes e com os meus problemas laborais.
Não entendi que isso seria afinal o que iria fazer para o resto da minha vida, e quando a deixei pela primeira vez na creche, tão pequenina e tão frágil, antecipei, muito por culpa do medo de perder o emprego ou assoberbar colegas com o meu trabalho, a entrada da minha filha na instituição que mais presente estará na vida dela até à idade adulta. A escola.
Um bebé de meses não precisa de uma escola. Um bebé de meses precisa da mãe.
Na Europa, especialmente nos países mais desenvolvidos, a licença maternal tende a alargar-se, prova de que há uma efetiva necessidade da companhia e apoio da mãe nos primeiros meses do bebé, e até nos primeiros anos de vida.
Em Portugal o que vejo é uma regressão, que embora não se verifique na lei, está latente e implícita na sociedade. Todos os dias vejo erros. Revejo-me em novos casos de perseguição às jovens mulheres, impulsionadas pela ideia (e realidade) de crise e desemprego, por mentes de empregadores mesquinhos e antiquados, mães que atrasam a sua maternidade, mulheres que se anulam sistematicamente, ora congelando óvulos, ora matando os sonhos de mulher, e encurtam a licença de maternidade para uns ridículos dois ou três meses, para correrem para os braços das empresas e do trabalho. Aos poucos (e julgo que conscientemente e em sofrimento) vamos negligenciando este tempo ao qual temos direito, e vamo-nos aproximando de um tempo antigo, um tempo que a Brigett Peixotto fez questão de erradicar.
Muitas foram as mães que naquela altura me disseram uma frase que não esqueço:
‘Aproveita bem que eles são pequeninos pouco tempo. Passa a correr.’
E passou.
Desde 1913 até aos dias de hoje, muitas foram as mulheres que puderam usufruir da sua licença maternal para acompanhar os seus filhos nos primeiros meses de vida. Bridget Peixotto faleceu a 10 de abril de 1972, em Nova Iorque, aos 92 anos de idade, deixando um legado invejável.
No obituário que lhe dedicou o New York Times, afirmava ser ela a “responsável pela institucionalização da licença de parto por todo o país” e pelo mundo: “O seu caso permitiu que milhões de mulheres pudessem tirar uma licença para dar à luz. A decisão motivou também alterações no sistema do setor privado, fazendo com que hoje seja perfeitamente normal que uma mulher possa manter o emprego quando fica grávida e depois de dar à luz.”
Dedica grande parte do seu tempo livre à escrita, à leitura e à arte. É casada e mãe de uma menina de oito anos, a frequentar a escola pública.
Um dia vai ser escritora, mas por enquanto continua a trabalhar.
1 comentário
Mrs Peixotto deixo-nos nos USA com uma licença de gravidez maxima de sete dias. E quanto ao direito de regessar ao trabalho, essa também não é garantida pois a lei neste país retrogrado permite ao que chamam de pequenas empresas (25 empregados ou menos) a despedir uma mulher depois da licença de parto pelo simples facto que o trabalho necessita ser efectuado por outros. Falo por experiência própria. Por favor Sra Uva Passa informe-se melhor antes de fazer referência a uma situação sem ter factos completos.