Quem me conhece sabe que sou bastante liberal e que sou aberta à Fé em geral. Notaram que a escrevo sempre com letras Maiúscula? Isso deve-se ao facto de ser uma mulher de Fé. Sou-o desde que me lembro, quando em criança no terraço da casa onde vivíamos me deitava de barriga para cima para poder olhar para o céu e pensar que tinha que haver algo lá em cima. Tinha que ser, porque só assim se explicava a beleza que me rodeava e o amor que sentia pelos meus pais. Ter passado a infância numa terra tão bela como São Martinho do Porto, acredito que tenha ajudado, mas com apenas 4 anos não tinha sequer conhecimento de que era a religião, nem tinha uns pais que me passassem nem a Fé, nem os dogmas. Excepto quando a minha mãe, ex aluna de colégio de freiras se punha de joelhos cada vez que trovejava e para pedir clemência. Olhava para a minha mãe tão bela e tão jovem, enquanto rezava e me ia sorrindo. Não entendia, mas dava-me algum respeito, conforto e até certo receio porque o Senhor as vezes parecia mesmo muito zangado.
Mais tarde e já na primária, a minha mãe achou que eu não perderia nada, e porque era muito ‘aventureira’, em fazer a primeira comunhão e para isso ia participar todos os sábados na catequese. Lá se foram os meus queridos sábados de dolce far niente! Mas para minha surpresa, aquilo até nem era uma grande seca e até fui considerada a melhor do meu grupo. Mas o que me interessava de verdade, era mesmo que no fim e para a comunhão, iria vestir um vestido de princesa e desta forma agradar ao Gonçalo, a minha paixoneta na primária! Que de outra forma não me ligava nenhuma. A verdade é que da Fé em si, só sabia que tinha que me portar bem, senão…! Ao falar com o Padre para a confissão, levava claro a lição ensaiada de casa – ‘Não faço o que a minha mãe diz para eu fazer! Às vezes digo estúpido! Dei um beijo na boca do meu vizinho ao jogar ao bate pé. ‘Mas não gostei nada e sinto-me muito culpada e prometo nunca mais beijar nenhum rapaz na vida!’. O Padre muito complacente e entre quase uma gargalhada disse:-’as crianças não têm pecado minha querida! Mas por favor respeita a tua mãe!’. Benzeu-me, e depois da comunhão lá me tornei oficialmente Católica.
Durante um tempo ainda fui à missa mas com o tempo deixei de ir, continuando culturalmente sendo Católica. Tinha Fé e acreditava em Deus mas sinceramente, não sabia muito bem em que moldes. Durante anos e durante principalmente a adolescência, quando fui claramente uma das que remava contra a maré (e já nessa altura tinha as minhas causas) falar de religião não fazia parte da minha retórica, que na altura era muito política. No entanto e no meu íntimo todos os dias agradecia a Deus por tudo o que tinha, queixava-me, pedia, sentindo-me protegida sempre que orava enquanto passava por uma rua escura ou por uma situação mais difícil.
No entanto, não me identificava com a Igreja Católica nem com nenhuma outra sem nunca duvidar da existência de Deus e de toda a energia que emana por este mundo fora e que é real para mim. Quando numa fase mais espiritual me tornei Mórmon com a minha mãe, que procurava as mesmas respostas que eu, foi aí curiosamente que fiquei a conhecer um Jesus diferente. Penso e hoje olhando para trás que se deu ao facto de eu estar numa fase diferente da minha vida, mais crescida e ver as coisas de outra forma, e não necessariamente ao facto de haver alguma diferença entre o Jesus de uma igreja ou de outra, na verdade são iguais. Na altura, quando eu e a minha mãe no apercebemos que só isso nos interessava, saímos.
Tanto eu e a minha mãe, quando resolvemos sair e ao contrário do que muitas pessoas poderiam pensar não afectou a nossa Fé. Tinha contudo outros moldes, mais intima, mais verdadeira com nós próprias, já que por exemplo nunca tentamos convencer ninguém da nossa Fé. Aliás poucas são as pessoas amigas que sabem desta minha fase, por ser algo tão intimo. Na verdade sempre me senti um pouco ‘Lockiana’ neste sentido. É tão pessoal que não precisa de ser exibido ao mundo, bem tirando claro esta crónica. Sou capaz, de orar como já o fiz, numa qualquer igreja de qualquer Fé Cristã, como numa Mesquita no Afeganistão. No entanto quando a Francisca nasceu, sabia que tinha que tomar uma decisão de como iria educa-la em relação ao que eu acredito ser importante, mas em que Fé exactamente?
O Baptismo: O pecado não mora aqui. Nem ao lado.
A pedido da minha mãe, que nessa altura se encontrava hospitalizada e a lutar contra o cancro, comecei a tratar de tudo e a procurar uma Igreja Católica. Na altura a Francisca tinha 2 anos e pareceu-me natural fazê-lo na minha terra natal e na igreja onde eu e as minhas irmãs tínhamos sido baptizadas. Quando me dirigi à igreja da cidade, fui encaminhada a um jovem Padre, que com um olhar frio e distante foi-me dizendo quão pecadora era eu por ser mãe solteira. Mas! Havia um mas, que os filhos de mães solteiras não têm culpa! Culpa. Enquanto falava da imensa lista que os potenciais padrinhos tinham que ter para poderem apadrinhar alguém, observava-o mas já não o ouvia. Ali estava diante de mim um jovem Padre, é certo, mas um jovem revertendo à quase ortodoxia da igreja que luta por mais fiéis e ali estava eu diante dele, uma mulher que apesar de não ser perfeita e de não ir à igreja todos os domingos, mas alguém que não só acredita como ora todos os dias da sua vida. Todos! Talvez o faça na intimidade da minha vida, como uma meditação, mas com toda a Fé de um coração sincero. Ele não o sabia, também talvez não se interessasse, por isso agradeci e vim-me embora. Como em tudo, podemos generalizar e, a verdade é que descobri numa outra igreja Católica que a minha mãe gostava particularmente, um Padre que Baptizava sem julgar. Infelizmente foi tarde de mais para a minha mãe assistir, pois partiu um mês antes da data marcada.
Com a chegada do Papa Francisco, eu pessoalmente, fiquei feliz por nas suas declarações ter falado das mães solteiras em particular, porque senti que se me aconteceu é porque acontece a muitas outras mulheres.
Quando uma amiga minha, também mãe solteira, me contou que no colégio Católico onde anda a filha, no meio da confissão o Padre pediu à criança para orar pelos pais que, por serem divorciados são ambos pecadores, pensei que há ainda muito trabalho pela frente em todas as “Fés”. Sendo esta minha amiga e suas filhas agnósticas com carácter forte, estas afirmações pouca mossa faz, mas e se for a uma criança que não aceita a separação dos pais? Que está confusa a nível da Fé e de tudo o resto?
A Francisca ainda recém-nascida foi abençoada por um Mórmon, mas para mim bastava um qualquer homem ou mulher de Fé. Depois foi Baptizada pela Igreja Católica, confuso? Não. Estou a educa-la a compreender que há muitas “Fés”, muitas opiniões, muitas crenças, mas um só Deus. Pelo menos no que eu acredito, e ela sabe que opiniões há muitas e há que respeitar. Oramos juntas todos os dias ao deitar, vou oiço-a e observo-a mas não a forço a nada. Quando me faz perguntas, muitas vezes procuramos juntas por respostas, outras vezes digo ‘não sei, ninguém sabe toda a verdade!’ mas vou ouvindo principalmente o que sente e no que acredita. Estou a preparar-me para um dia me poder vir a dizer que tem dúvidas ou que não acredita.
Não me parece, porque há muito dela que é Fé, que acredita em magia e na vida. Se isso um dia acontecer terei muita pena, admito, pois quem não acredita em nada, agarra-se a quê? Acima de tudo, quero que entenda que a Fé não nos ensina apenas a respeitar a Deus, mas também a respeitar uns aos outros, a este planeta que temos e que é único, aos animais, às flores e qualquer outra Fé ou credos. Essencialmente a ser uma boa pessoa. Quero que viva, e viva bem, mesmo quando as coisas não forem perfeitas.
É esta a bagagem que quero que ela leve, no dia em que sair de casa.
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1 comentário
Acabo de ler o texto e identifico-me com ele em alguns aspectos, pois também acredito na existência de Deus, tenho Fé e faço as minhas orações todas as noites.
Sei que fui baptizada à pressa numa igreja católica, pois na altura estava entre a vida e a morte, mas escapei, andei na catequese, mas desisti, e só mais tarde com 11 anos e por insistência da minha avó paterna, fiz a primeira comunhão, mas não frequento com regularidade a igreja, porque para mim o mais importante é o que lá se diz e o que nos leva a pensar e reflectir e curiosamente agora a viver num pais árabe vou à missa todas as sextas-feiras, pois encontrei na Basílica de Sto. Agostinho em Annaba (Argélia) um lugar especial, com uma vibração incrível, como que neutralizadora de todos os contrastes que aqui encontrei, e me faz sentir bem e em paz e essa sensação é tão agradável.
Também tive dúvidas na educação religiosa da minha filha, mas depois decidi-me que o melhor seria transmitir-lhe uma referência e mais tarde, com mais consciência, ela escolheria o seu caminho, por isso baptizei-a, matriculei-a na catequese, fez a primeira comunhão e por opção dela quer fazer a profissão de fé.
Este texto fez-me pensar que a religião deveria ser universal, com um só Deus e uma Fé tão indispensáveis para seguirmos o nosso caminho.
Grata Sónia por esta crónica.