Os nossos filhos são humanos.
E isso significa que erram.
O que fazem com esse erro é responsabilidade deles mas, até que sejam capazes de o fazer por si mesmos, é uma responsabilidade nossa.
Grande parte dos pais poderia dizer que os “defeitos” dos seus filhos são demorar muito a responder quando os chamam para vir para a mesa, deixarem a mochila no chão quando chegam da escola, beberem leite directamente do pacote ou nunca substituir o rolo do papel higiénico quando o usam até ao fim. Até aqui tudo certo. Mas que ser humano tem apenas estas características negativas? Ninguém é perfeito e se alguns pais pecam por minimizar as situações, há também os que tendem a transformar a mais pequena coisa numa calamidade a nível mundial e a tratar os filhos com a chamada rédea curta, demasiado curta para que possam usar as ferramentas certas para não voltarem a cair nos mesmos erros. Por si.
Mas não é destes pais que escrevo hoje. Nem dos filhos destes pais.
Falo dos filhos que tudo têm para ser felizes, saudáveis, educados e responsáveis e mesmo assim não o são.
Falo dos filhos que, apesar de isso ser algo absolutamente contrário à sua educação, são expulsos das aulas dia após dia – coisa que os pais desculpam porque tal acontece devido ao colega do lado que se comporta mal e que os faz rir. Dos filhos que não almoçam em casa como os pais pensam – e porque pensariam outra coisa se lhes ligam para casa e eles não atendem mas atendem o telemóvel e advogam que o telefone anda sempre perdido pela casa e não o conseguiram encontrar a tempo de atender a chamada. Falo dos filhos que mudam de roupa assim que chegam à escola, assim como o penteado e a maquilhagem que passa de inexistente a brutal.
Estes filhos têm pais de vários tipos, bem sei, mas quero referir-me àqueles que tendem a fechar os olhos e a desculpar o que eles fazem de errado. Porque a culpa nunca é deles. Porque a professora embirra, porque calhou estarem numa turma problemática, porque o mundo não vê como estes miúdos são especiais e lhes aponta o dedo.
Pode até ser verdade, mas fechar os olhos ao comportamento, não lhe dar o devido acompanhamento, faz com que os miúdos se sintam perdidos.
Perdidos porque ainda estão a tentar perceber quem são. Se desafiam os professores para serem expulsos e a consequência desse acto é passarem-lhes a mão pelo pêlo, isso acaba por os confundir e, a longo prazo, fragilizar. Se não sabes quem és mas estás a testar um lado teu mais negativo e os teus pais te dizem que és perfeito, vais sentir que não és nem uma coisa nem outra. E vais sentir que consegues enganar os teus pais tranquilamente e isso dá-te uma aura de vitória mas também de desgosto, porque no fundo sabes que se eles acham que só te consegues comportar bem então por que é que te comportas tão mal?
Quando um pai não vê um filho por aquilo que ele é deixa de ser um porto de abrigo.
Deixa de ser alguém que é procurado em alturas de crise. Deixa de ser alguém a quem pedimos desculpa. Porque ele não entende. Nada sabe. Não nos conhece. Muitos adolescentes passam pela fase de repetir este mantra mas é saudável quando sentem que isso acontece porque há um gap geracional. Porque é isso que os separa dos pais – o tempo que passou entre os pais serem adolescentes e serem pais. Não dialogam porque não se entendem. Mas é melhor um não diálogo em que se diz o que realmente se sente e pensa do que um diálogo que nunca tem oportunidade de existir porque “está tudo bem”. Sempre.
Falo como filha. Como mãe.
Falo como testemunha de alguns casos que tenho à minha volta e que me preocupam. Porque sem comunicação, seja ela o mais mínima que for, há muitos problemas que não são detectados. E o tempo aqui é de ouro.
Acha que conhece os seus filhos?
Quando teve a última conversa sincera com eles?
Ouviu-os verdadeiramente?
Tem a certeza do que acontece quando sai de casa e os deixa livres e soltos no seu tempo?
Está a pensar que também fez das suas, que os seus pais também nunca sonharam com muitas das coisas que fez e isso não fez de si alguém perdido no mundo?
Ainda bem. Tenha é a certeza que daqui a alguns anos o seu filho vai poder dizer o mesmo.
Os nossos filhos são humanos.
Erram.
E precisam de nós.
Precisam que não desistamos deles.
Que os vejamos por quem são.
Precisam que lhes demos a mão.
Da melhor maneira que soubermos.
Que hoje ao jantar se construa uma conversa ou se comece a construir um diálogo. Porque ele é sempre rico. E é também nos silêncios que aprendemos a perceber aquilo que nos escapa e a que temos de nos dedicar mais.
Porque os nossos filhos são humanos.
Erram.
E nós também.
imagem@weheartit
Autora orgulhosa dos livros Não Tenhas Medo e Conta Comigo, uma parceria Up To Kids com a editora Máquina de Voar, ilustrados por aRita, e de tantas outras palavras escritas carregadas de amor!