A ver uma fotografia minha e do pai:
– Onde Ă© que eu estava quando tiraram aquela fotografia?
– Ainda nĂŁo tinhas nascido.
– Estava na tua barriga?
– Ainda nĂŁo.
– EntĂŁo onde Ă© que eu estava?
As questões existenciais tĂŞm sido uma constante. Onde Ă© que ela estava quando eu nasci, para onde foi o gato que estava morto na rua, onde Ă© que o irmĂŁo estava antes de estar na minha barriga, se há vida nos outros planetas ou sĂł no nosso e porque Ă© que o tempo passa. Diz tambĂ©m que a lua Ă© o sitio onde está a avĂł do pai e que nunca vai querer morrer porque quer ficar com a famĂlia dela para sempre. Pede muitas vezes para eu a abraçar e prometer que a vou proteger de tudo. E eu digo que sim.
Ela ainda nĂŁo sabe, mas eu sei que nĂŁo a vou conseguir proteger de tudo, nem vou ter resposta para as questões que hoje vou respondendo como se estivĂ©ssemos num conto de fadas. A vida nĂŁo Ă© um conto de fadas, mas aos quatro anos ela ainda pode acreditar em sapatinhos de cristal, em princesas que com um beijo transformam sapos em prĂncipes, em bruxas más e meias-irmĂŁs feias e malvadas.
Eu Ă© que já nĂŁo posso acreditar e penso muitas vezes naquele momento em que perdemos a inocĂŞncia e a ideia da morte passa a viver connosco para sempre. Ainda me lembro da dor terrĂvel e do desespero que senti da primeira vez que tomei consciĂŞncia do fim, do meu e dos que amo. Um sentimento que sĂł aliviou com o nascimento dos meus filhos e que me invade novamente com as perguntas feitas pela minha filha.
Eu nĂŁo acredito em Deus, em igrejas ou religiões e talvez para quem nĂŁo crĂŞ seja ainda mais difĂcil acalmar essa dor em nĂłs e nos nossos filhos porque nĂŁo tenho histĂłrias bĂblicas e paraĂsos para lhes oferecer. Talvez a religiĂŁo sirva como um ansiolĂtico que nos acalma as angĂşstias e torna o mundo um lugar mais fácil. NĂŁo sei, nunca experimentei esse sentimento porque, por muito que tente, nĂŁo vejo mais do que aquilo que os meus olhos alcançam.
Um dia as perguntas dos meus filhos deixarão de poder ter respostas inocentes, o gato morto continuará morto para sempre e vai doer-lhes, como me doeu a mim e eu não poderei fazer mais que os amar e abraçar, como a minha mãe o fez a mim tantas vezes.
O amor nĂŁo cura tudo, mas Ă© a melhor ferramenta que tenho.
imagem@inforegi
Tenho nos meus filhos e no mundo depois dos filhos uma enorme fonte de inspiração e o blogue nasceu da necessidade de escrever sobre o lado menos fofinho da maternidade.