Nos dias que correm, fala-se muito de comunicação positiva com a criança e do exercício de uma parentalidade com maior respeito pelos filhos e pelas suas necessidades. A forma como os pais exercem o seu papel está, desde há cerca de 50/60 anos, em profunda transformação. O que, com tudo de bom que possa ter (e tem!), traz consigo algumas armadilhas.
Hoje, o medo de ser (ou parecer) autoritário é tão grande que os pais têm imensa dificuldade em contrariar os filhos. Seja por receio de fazer deles crianças inibidas e prejudicar a sua livre expressão, seja para evitar o conflito ou por medo de “perder” o seu amor. De repente, fica no ar a ideia de que ser democrático, respeitar a criança, é convencê-la a fazer as coisas sem imposições. Mas fazer isto, visto assim, não é tarefa fácil. A sedução surge como a forma de “salvar” a situação. E, inadvertidamente passamos de um registo com consequências negativas, para outro igualmente mau e gerador de desequilíbrios.
Nas relações de sedução, os adultos pedem à criança “provas do seu amor”, como forma de eles mesmos continuarem a amar os seus filhos. Trata-se de condicionar o comportamento da criança de forma subtil, criando nela o desejo de agradar e corresponder. Tanto pais e criança sentem uma grande necessidade de constantemente agradar o outro. São usadas frequentemente expressões como “faz isto por mim”, “se fizeres isto és linda/o…”, “é para o teu bem…” e “vou ficar muito feliz/ triste se fizeres isto…”. São também usados elogios como “linda/o menina/o” ou pequenas chantagens como “se fizeres isto, dou-te x” para recompensar os comportamentos desejados.
Por que razão não deveremos fazer isto?
- Continua a ser uma forma de uso de poder e força (neste caso psicológicos) sobre a criança. É estabelecida uma relação pais-filhos de grande manipulação. É uma forma de submeter o outro às nossas necessidades, sem que ele assim o entenda. Uma forma de controlo.
- Aprisiona. Cria nos pais a expectativa de que o “bom filho” é aquele que continua a cumprir e a agradar. Cria na criança a necessidade de corresponder a essa expectativa sob pena de desiludir os pais e perder o seu amor. É penalizante para ambos os lados, porque não é possível, nem desejável, agradar e “cumprir” sempre (pelo menos sendo-se verdadeiro).
- Cria sentimentos de medo e culpa na criança, por sentir que não é “suficientemente boa” para ser amada pelos outros. O Amor é visto como condicional.
- A criança aprende a relacionar-se desta forma e vai ter dificuldades em estabelecer relações saudáveis com outras pessoas (que não aceitem essa forma de relacionamento). Pode, por um lado, reproduzir o modelo, tentando estabelecer relações de domínio sobre os amigos e namorados ou, pelo contrário, submeter-se aos desejos dos outros (amigos, namorados/as, chefes), para continuar a ser apreciada por eles. No futuro, as decisões que tomar para a sua vida estarão mais focadas no que os outros desejam para eles, do que naquilo que realmente gosta ou quer para si.
- Dá à criança uma ilusão de controlo sobre os limites. Acredita que quando cede, é porque ela assim o quis, e não porque tinha mesmo de ser. O que terá consequências difíceis para ela de suportar, quando perceber, fora da estrutura familiar, que na realidade o que não pode fazer, não pode mesmo. E que não passar de certos limites não se trata da criança decidir, ou não, agradar o outro.
- A manipulação inibe a criançade agir livremente e de acordo com a sua natureza. Desobedecer e/ou desafiar faz parte do processo de desenvolvimento e é saudável e desejável acontecer.
- A criança não entende nem interioriza as verdadeiras razões pelas quais deve ou não deve ter um determinado comportamento. É o “devo fazer isto porque faz os outros felizes” e não o “devo fazer isto porque é o mais correcto “.
- Pode levar a que na adolescência os filhos tentam “libertar-se” do domínio dos pais de forma mais violenta.
No entanto, há que relembrar que a sedução é parte integrante das relações Humanas e tem as suas vantagens. Só é “perigosa” quando se torna a forma privilegiada dos pais se relacionarem com os filhos. Principalmente quando é usada como forma de fugir ao exercício de autoridade e à imposição de limites claros a determinados comportamentos e/ou desejos da criança.
Existem muitas coisas a autorizar e outras tantas a proibir. Fazê-lo sem sermos pais agressivos ou sedutores é difícil, mas possível. O primeiro passo, é querê-lo.
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