A evolução das mentalidades e a adaptação da legislação aplicável aos alunos com nee

Alunos com NEE: A evolução das mentalidades e a adaptação da legislação aplicável

Alunos com NEE: A evolução das mentalidades e a adaptação da legislação aplicável

Somos um país democrático – livre, portanto – há poucas décadas. Aliás, quando eu nasci, estávamos ainda no rescaldo da revolução que nos devolveu a liberdade, depois de décadas de ditadura.

Somos um país onde a diferença, fosse ela qual fosse, era categorizada (idiotas, surdos, doentes mentais, etc.). Ou era castigada (homossexualidade, deficiência intelectual, deficiência física, etc.) Ou, como aconteceu até muito recentemente – e, sejamos honestos e diretos, ainda acontece em alguns locais – escondemos.  Escondemos tudo: uma gravidez não planeada, preferência sexual, deficiência.

As escolas piloto dos anos 80

No entanto, recordo um projeto piloto que decorreu no final dos anos 80 em algumas escolas públicas do país. Creio que seriam escolas que estivessem na mesma área geográfica que instituições que trabalhassem e apoiassem diretamente pessoas com deficiência. Nas minhas turmas, desde o meu 1º ano de escolaridade, estiveram comigo e com os meus colegas, outras crianças com dificuldades várias: desde dificuldades de aprendizagem a dificuldades motoras.

Claro que, naquela época e com os professores que já vinham a lecionar desde o Estado Novo, ninguém estava com paciência nem com sensibilidade e, acima de tudo, não tinham a inteligência emocional para trabalhar com aqueles casos.

A diferenciação pedagógica da altura chamava-se “régua de madeira” e ou aprendias a bem ou mal, tivesses ou não tivesses dificuldades. E isso acabava na separação do “és burro e não aprendes nada” e do “talvez te safes no exame da 4ª classe”. E lá vinha a régua, para “motivar” toda a gente. Mas, ainda assim, a geração de professores mais jovens, com o auxílio dos mentores do projeto e apoio das instituições, já tentava marcar alguma diferença e colocar TODAS aquelas crianças na MESMA escola. Com as devidas adaptações – não se falava de inclusão, na altura – mas até já havia uma sala, aos jeitos de uma unidade dos nossos dias, para receber crianças com dificuldades e deficiências mais graves.

A evolução das mentalidades, e a adaptação da legislação

Foi um longo caminho, com muitos entraves – e, por incrível que pareça, os entraves vinham mesmo de professores mas, acima de tudo, de famílias que ou se recusavam a assumir que os seus filhos podiam – e tinham todo o direito! – frequentar a escola. Porque assumir que podiam ir à escola era assumir e mostrar que esses seus filhos eram deficientes, tinham uma deficiência e, às vezes, essa deficiência nem era física o que acabava em termos impróprios como “atrasado mental” ou “idiota”, como nos bons velhos tempos de antigamente. Não havia meios termos nem outros termos.

Ainda assim, no final dos anos 70, surge o Decreto-Lei 174/77 que apenas falava vagamente da necessidade de redefinir o regime escolar deste tipo de alunos (matrícula, documentação, frequência de disciplinas) e, depois o DL 84/78, com algumas alterações. Mas SÓ no que dizia respeito ao 1º Ciclo. Ou seja, estas crianças só poderiam frequentar a escola até ao 4º ano de escolaridade, independentemente da sua idade real.

O regime educativo especial aplicável aos alunos com NEE

Em agosto de 1991, surge o Decreto-Lei 319 que foi um verdadeiro desbravar de caminho pois estabelece o regime educativo especial aplicável aos alunos com necessidades educativas especiais. E se estendia à escolaridade mínima obrigatória da altura que era até ao 9º ano.  Não era perfeito, não era ideal, não era milagroso mas já era o começo de qualquer coisa mais definida do que a anterior legislação. Ou seja, em pouco mais de 15 anos, Portugal era dos primeiros países da Europa onde se começava a pensar na educação escolar para TODOS, até ao final obrigatório da escolaridade. Pela primeira vez, surge a “Educação Especial”. E repare-se que isto surge ainda antes da “Declaração de Salamanca” (UNESCO, 1994).

Fomos evoluindo, com ou menor dificuldade, e chegámos ao DL 3/2008, que define os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo. Mais uma vez se vê, que se alarga o leque e se incluem outros ciclos de ensino. Não é perfeito. É um diploma que assenta, maioritariamente nas dificuldades e incapacidades do aluno. Em vez de assentar nos seus pontos fortes, nas suas competências, nas suas capacidades.

Lei da Inclusão

10 anos depois, após abertura de discussão do diploma ao público, surge aquilo a que chamamos a Lei da Inclusão, num diploma quase utópico que seria suposto ser totalmente inclusivo, numa escola de todos para todos. Mesmo TODOS, com ou sem deficiência, com ou sem dificuldades: DL 54/2018. Fomos parabenizados no estrangeiro, não só em alguns países da Europa mas também na Austrália. Mas este diploma que deveria ser a panaceia para a educação de todos para todos é neste momento, na verdade, uma máquina burocrática devoradora de grelhas e papeis e análises e recursos e relatórios que pouco tempo útil e recursos preciosos deixa para tratarmos devidamente dessa tão ansiada e falada inclusão. Um ano depois, já temos uma revogação com a Lei 116.

Mas a grande grande diferença, ao longo de todos este percurso, que está muito longe de ser perfeito, é termos chegado ao ponto de nós, pais, estarmos presentes em todas as decisões a tomar em relação aos nossos filhos e sermos parte integrante deste processo. Ao longo de toda a escolaridade. E, a minha geração – aquela geração das escolas piloto – não quer esconder a deficiência; nós não queremos esconder os nossos filhos;  não queremos os nossos filhos privados dos seus direitos, a começar pelo direito à educação.

Nós queremos que a sociedade abra os olhos e veja que nós existimos: nós, pessoas com deficiência; pais de crianças com deficiência; nós, profissionais que trabalhamos com pessoas com deficiência. Nós, pessoas com deficiência. Que temos o nome como único rótulo que não queremos mudar. Porque a nossa deficiência não é um rótulo, é um diagnóstico, é um caminho para um tratamento, é parte de nós que não deixamos que nos defina, é diversidade. Porque somos todos diferentes mas temos todos os mesmos direitos.

Como dizia, é tudo muito recente.

Mostrar a deficiência e saber, ver, perceber que é possível ter sucesso, ter uma vida profissional e até pessoal vai contra aquilo que nos foi passado indireta e inconscientemente pelas gerações mais antigas. E aquilo que eu sinto é que, apesar de termos começado já esse desbravar de caminho tão cerrado, é a minha geração que ainda tem em mãos o grosso desse desbravar. E isso é um trabalho contínuo e ininterrupto.

Um T2. Uma família que passa de 2 para 4. Um duplo diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo.

O esforço de manter uma vida normal em tempos difíceis, a vários níveis… Em suma, uma aventura vivida a 4.

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