A casa da árvore foi substituída pela TV
A afirmação “as crianças já não brincam nas ruas” parece um lugar-comum que diariamente ouvimos aqui e ali ou lemos numa qualquer revista ou livro pedagógico para pais, mas a verdade é que esta frase é mesmo realidade. As crianças de hoje refugiam-se nos seus ninhos (quartos) rodeados de tecnologia onde podem criar a sua própria realidade virtual, através de jogos e da omnipresente internet. Normalmente fazem-no sozinhas. A socialização, se é que lhe podemos dar esse nome é feita a olhar para um quadrado (TV ou PC) e o desafio de arriscar, ou não, em subir uma árvore foi substituído pelo premir, ou não, de um botão do computador. Nesta alteração comportamental não existe um culpado, se existisse seria o progresso com tudo o que tem de bom e mau, contudo existem aspectos que merecem ser explanados para posterior reflexão.
Os pais têm naturalmente medo que os filhos brinquem nas ruas e podem favorecer um ambiente especialmente propício à individualização exagerada das suas crias, que pode contribuir para que se tornem adultos inseguros que não só desconhecem como não sabem lidar come o risco. Brincar na rua também implica fazer novos parceiros de brincadeiras de uma forma mais livre do que aquela imposta pelos recreios das escolas e arriscar mais nos próprios jogos, lidando assim com situações de desafio. Por outro lado, na rua efectivamente existem perigos, não só o excesso de viaturas, principalmente nos centros urbanos, como também os perigos que as noticias diariamente nos fazem chegar criando, desta forma, um medo justificado. Os parques são poucos e nem sempre de fácil acesso a todos, mas mesmo quando os pais levam as crianças, os seus olhos não se desviam dos seus filhos e estão lá para quase que brincarem por eles não os deixando, mais uma vez, arriscar.
A verdade é que brincar na rua contribui para o desenvolvimento cognitivo, emocional e ajuda na criação de relações entre crianças mas o tão famigerado medo e cansaço dos pais faz com que os seus filhos fiquem em casa, em silêncio, a olhar para a TV – precisamente dos poucos sítios onde não aprendem a interagir e a partilhar. “Pelo menos estão seguros”, pensarão muitos pais, ao mesmo tempo que no fundo sabem que ficarão também mais sedentários e isolados. De que segurança estamos então a falar?
Há cerca de 40 anos atrás era perfeitamente normal as crianças com 10 anos de idade irem sozinhas para a escola, algo que hoje é quase impossível. Não se trata de recuperar a velha máxima “antigamente é que era bom”, mas a verdade é que antes o ambiente circundante, principalmente nas cidades, era mais propício a estas liberdades saudáveis.
Conjecturas à parte, efectivamente o ideal seria conseguir-se o equilíbrio: um pouco de rua para ajudar a criança a conectar-se com o espaço envolvente e para exercitar-se e um pouco de tecnologia, com o devido peso e medida, para estar conectado com uma realidade imprescindível do século XXI. Por exemplo, aos fins-de-semana, ir ao parque pela manhã, um que tenha café em que os adultos possam estar calmamente a disfrutar do seu sossego e também a olhar para os seus filhos, deixando-os livres, mas com a supervisão e à tarde, ajustar uma hora ou duas para as tecnologias, permitindo-lhes criar um tempo previamente agendado com os pais para o efeito. Assim, até a noção de responsabilidade de cumprimento de agenda começa a ganhar contornos. Podemos, assim ter o melhor dos dois mundos.
O bom senso e o instinto parental são a melhor balança que se pode ter, mas isto é apenas a minha opinião até porque, eu sou “apenas” uma mãe.
Por Rita Pablo, CEM
“Qual é o limite sadio entre a simples supervisão e o
controle exagerado das atividades dos filhos?”
1 comentário
Hoje em dia são muitas as circunstâncias que levam a que não seja possível às crianças brincarem na rua como antigamente (e não é um fenómeno assim tão recente porque há 20 anos também não me deixavam brincar na rua), mas isso não quer necessariamente dizer que as crianças tenham de ficar enfiadas em casa a ver televisão ou a jogar tablet. Há tantas outras brincadeiras que podem fazer em casa. Além disso, facilmente essa falta de brincar na rua pode ser compensada por actividades ao ar livre em família ao fim de semana, não? Não digo que é tudo cor-de-rosa – o mundo está a mudar e com ele a nossa forma de educar os filhos e a realidade com que as crianças de hoje estão a crescer, por isso é óbvio que é preciso estarmos atentos e tentar contrabalançar os aspectos menos positivos. Mas… andamos todos a tentar fazer o melhor que podemos. Estou um bocado farta de dramatismos e de culpabilização, quase como se tudo o que os pais de hoje em dia fazem fosse errado. No “antigamente” também se cometiam muitos erros!