A dificuldade de diagnosticar uma criança
Numa conversa ao jantar, entre colheradas de sopa à boca e cortar o bife das crianças, os dois pais concordam: Algo não está bem.
Depois da reunião da escola que confirma as preocupações, há a decisão de procurar ajuda.
Mais de meio caminho está feito mas, estranhamente e ao contrário do que seria expectável, o que se segue não será a parte mais fácil.
Os pais iniciam o chamado “processo” que tem como primeiro capítulo uma ida a um especialista. Há que perceber o que não está bem e contextualizar as suas preocupações e também as da escola.
Seguem-se consultas e mais consultas com baterias, testes e provas de avaliação.
Nem sempre se consegue que se realizem no mesmo local. Ligar, marcar, reagendar, esperar uma vaga, voltar a ligar. Mudar a agenda dos pais, pedir à escola para sair mais cedo. “Não vai com a mãe vai com o pai”, “Amanhã vai com a avó”, “Para a semana é impossível. Fica então para daqui a 15 dias”, “Só daqui a três semanas? Não há problema. Tudo se ajusta”. Com isto passam 2 meses.
Novo capítulo: Não há certezas mas chega-se a um possível diagnóstico.
“Ainda é pequeno”, “Não colaborou”, “Houve aqui uma prova que ficou a meio”, “Há questões que deixam dúvidas”.
E as dúvidas crescem na cabeça dos pais, já confusos e anestesiados com toda esta jornada. “Mas e as nossas preocupações?”, “Mas e aquilo que o nosso filho realmente é?”, “Mas ele não conhece este sítio, ele não quer estar aqui, nunca irá colaborar”, “Mas essa avaliação é durante o almoço?”, “É durante a sesta?”, “A essa hora ele já virá muito cansado da escola”, “Estivemos uma hora à espera, é normal que ele esteja irritado.”
A dificuldade de diagnosticar uma criança
Aqui chegámos. 3 meses para perceber o que se passava (“já perdemos um período”, diz a escola) e na mão um diagnóstico e muitas vezes (demasiadas vezes) informações que não representam a funcionalidade, as capacidades e a própria criança.
Qual o perigo disto?
- Diagnósticos que não são levados a sério pelos cuidadores, levando a segundas e terceiras opiniões, atrasando a mobilização dos apoios e o respeito tão necessário pelas características e particularidades da criança;
- Crianças que não são avaliadas de forma honesta, caracterizadas de forma métrica e formatada para “servirem” um diagnóstico, sem uma representação fiável das suas capacidades nos diferentes contextos de vida;
- Intervenções com inícios tardios, muitas vezes baseadas na observação direta e própria experiência do técnico que recebe a criança, por as avaliações previamente realizadas não refletirem as verdadeiras necessidades.
- Pais descrentes do processo avaliativo e da importância da reavaliação, tão útil nos reajustes do processo terapêutico;
Quem intervém diretamente com crianças, seja em contexto escolar seja em contexto clínico, já sentiu na pele todas estas questões. Quem tem um filho com algum tipo de necessidade terapêutica ainda mais. Por tudo isto, diagnósticos sim, mas raramente “muito”, muitas vezes “pouco” e às vezes “nada”.
Sara Loft
Somos pelo brincar e pelo experimentar para aprender.
Somos pela imaginação e pelo sonho.