
A mão que cuida não pode ser a que fere
A mão que cuida não pode ser a que fere
Hoje sou mãe.
Mas na minha vida anterior trabalhei com crianças e jovens de várias idades e múltiplas realidades familiares, níveis económicos, características emocionais e questões de saúde. Trabalhei com elas, vivi-as e, em todo esse processo, estudei-as, apaixonando-me profundamente pelo desenvolvimento emocional na infância.
Hoje, como mãe e como alguém que viveu sempre as crianças e os jovens de forma intensa, que os conhece profundamente, quero partilhar com todas as mães e pais a importância de nunca baterem nos vossos filhos. De erradicarem por completo o ato. E a ameaça do ato.
Um estudo americano perguntou às crianças o que mais as preocupa.
Sabe qual foi a resposta mais comum? A resposta mais comum, aquilo que mais preocupa as crianças é que os pais lhes batam. Crianças pequenas estão preocupadas que os pais lhes batam! Não estão preocupadas em não ter brinquedos.
Estão preocupadas que os pais lhes batam…
A questão é que palmadas – bater – é um fator de stress neurobiológico que provoca consequências negativas a curto e a longo prazo.
Estatisticamente, você ou a pessoa que se senta ao seu lado enquanto lê este artigo ou enquanto toma um café, foi abusado fisicamente pelos seus pais em criança. A violência doméstica em crianças é duas vezes mais alta do que a violência doméstica entre cônjuges. Há crianças que morrem fruto do abuso físico dos seus próprios pais. E fingir que isto não é um problema grave não só não o atenua, como o continua a permitir.
É em casa, em todo o mundo, que os números sobre o abuso de crianças – palmadas, ameaçar, punir – disparam. E ainda assim os números ficam aquém dos verdadeiros números que as estatísticas não cobrem.
O abuso físico e emocional das crianças
Em todo o mundo, o abuso físico e emocional de crianças é tremendamente maior em crianças pequenas e os números mostram pais fisicamente abusivos para com crianças tão cedo quanto a partir dos seis meses de idade. Seis meses de idade! Quando somos nós, pais, que devemos ser para os nossos filhos a maior representação de confiança, segurança e amor.
Confiança. Segurança. Amor.
Tudo aquilo que precisamos para ter uma cabeça limpa, uma vida saudável. Tudo aquilo que precisamos para aceitarmos que merecemos ser felizes. Bater danifica o nosso equipamento cerebral regulador.
A mão que cuida não pode ser a mão que magoa. A Mão que cuida Não pode ser a que Fere.
O que é que acontece dentro dos sentimentos e dos pensamentos dos pais para que eles acreditem que é correto ou sequer permitido ferir fisicamente ou emocionalmente os seus filhos? E o que é que realmente dá direito a fazê-lo? O que é que, na mente destes pais, estes bebés e estas crianças fazem de tão errado?
Dar uma palmada – ou até a sua ameaça – é violência.
As palmadas estão na origem – são a raiz – da violência doméstica contra crianças. E não só! Estão na génese de problemas de agressividade, problemas emocionais e físicos. Não apenas na infância, mas pela vida fora.
As crianças sujeitas a violência física a partir dos primeiros anos de vida têm propensão a desenvolver problemas de saúde, tendências suicidas e tendência para o consumo de drogas. Para além de que têm propensão para perpetuar o legado para os seus filhos.
E porquê?
Porque a violência nos primeiros anos de vida é mais uma lesão cerebral do que uma ferida psicológica. Permanece para sempre. E uma criança exposta a violência física, o seu cérebro não consegue regular.
As crianças aprendem a autorregular-se com a ajuda de pais calmos, que sabem autorregular-se.
E o grande problema, a grande questão é quando nós – pais – somos a causa do stress nas crianças. E quando as crianças não têm pais calmos e que consigam regular as suas emoções, as crianças autorregulam-se em stress. Respondem mal ou não respondem, roem as coisas, têm comportamentos que para muitos adultos são considerados maus comportamentos. Mas não são maus comportamentos. São estes comportamentos que regulam o seu cérebro.
Está na hora de revermos e avaliarmos as nossas próprias ações, e de entendermos que nós somos responsáveis pela saúde emocional e mental dos nossos filhos.
Criar crianças e atos de violência, quaisquer que sejam, não são compatíveis. Precisamos de aprender a curar-nos, a limpar a nossa desorganização interna.
Tudo na vida depende das nossas decisões, do caminho que escolhemos seguir. Traçar. Do legado que escolhemos deixar para os nossos filhos. Para os filhos dos nossos filhos.
Devemos estar conscientes do que fazemos aos nossos filhos. Conscientes das nossas palavras. Dos nossos atos.
Somos a mão que cuida.
Precisamos de mudar as nossas perceções, os nossos sentimentos, os nossos pensamentos e as nossas ações.
As crianças são o reflexo mais puro daquilo que nós somos com eles. Nós temos a responsabilidade da sua saúde física, mental e emocional. A responsabilidade de transmitirmos segurança, dar estrutura ao longo da vida, muito em especialmente nos primeiros anos de suas vidas.
E nós podemos fazer melhor. Temos que fazer melhor. Temos esse dever para com as crianças. Nós colhemos o que semeamos. A cada momento.
E se escolhemos ser pais, se quisemos ser pais, temos de saber agora honrar esse compromisso a cada dia. A cada hora. A cada momento. Hoje. Começando agora.