A maternidade é a recruta das mulheres
Quando me perguntam qual foi a coisa que mais mudou na minha vida depois de ter sido mãe, além da resposta óbvia, – foi só toda a minha vida, desde a forma como a vivo todos os dias, à forma como a quero viver no futuro – eu costumo dizer que, para mim a maternidade foi uma espécie de recruta das mulheres.
Normalmente as pessoas ficam com aquela cara de poker, e então explico: passei a dormir muito pouco e a acordar com as galinhas. Aprendi a fazer tudo aquilo que tinha conseguido adiar durante uns anos, e sim, inclui algumas tarefas domésticas e muito auto-controlo emocional (da emoções boas e más, porque uma mãe não pode estar sempre a chorar, caramba!).
Aprendi a ser enfermeira, bombeira, educadora, professora, moderadora, entre tantas outras. E tudo isto por causa dos meus filhos. E tudo isto enquanto continuo a ser mulher, companheira, amante e amiga. Porque não podemos deixar de nos sentir nós próprias.
Com a maternidade passamos a ter alguém totalmente dependente de nós.
Não dá para escapar uma refeição por não me apetecer cozinhar, porque a criança tem de comer sempre. Nem dá para desligar o despertador para dormir mais uma hora, e sem querer, dormir mais três. Não dá. A criança precisa de acordar e de mudar a fralda, de tomar o pequeno almoço e mudar a fralda, precisa de ouvir uma música ou ler uma história. Hoje fazemos um puzzle logo depois de mudar a fralda. A criança precisa de almoçar e de dormir a sesta. A criança precisa. Cá está, a maternidade é a recruta das mulheres. A recruta das mulheres.
E nós mães, apresentamo-nos ao serviço. Com a diferença que não conseguimos estar impecavelmente fardadas, e nem tão pouco tentamos. Depois de sermos mães, não podemos fingir que somos só nós. E ainda bem porque quando quando éramos só nós, a felicidade tinha outro sabor.
Quando comecei a escrever sobre este tema, como habitualmente faço, pesquisei no google para perceber se já alguém tinha feito esta comparação, e encontrei um artigo publicado no Público em 2013, da Sofia Anjos, chamado “Ser mãe é a tropa da mulheres”.
Será que o li na altura e que a minha expressão adveio daqui? Não faço a menor ideia. Não me lembro. Mas despeço-me aqui, porque tudo aquilo que eu tinha pensado está aqui tão bem descrito. Ora vejam:
“Ser mãe é a tropa das mulheres
Consigo segurar o biberão com o queixo. Foi uma questão de dias, após o bebé nascer, até descobrir umas quantas tarefas que podem ser feitas com uma só mão. Algumas com dois dedos apenas. Penso que se um dia ficar maneta, safo-me.
Ser mãe é a tropa das mulheres, com recruta mínima de três meses.
Cresce a barriga, encolhe a barriga, mas não para o mesmo lugar de antes. Tira a mama, recolhe a mama. Volta a tirar a outra mama, volta a recolher. Dorme, acorda, esteriliza biberões, muda a fralda, mantém-te acordada, amamenta, lava a roupa bolsada, põe a chucha, mantém-te acordada, não-café-não, embala antes a miúda, não-sentada-não, levanta-te, embala de pé, canta, abana-te o mais que puderes, de preferência ligeiramente curvada que ela adormece mais rapidamente. Canta, improvisa: Princesa, princesa / Princesa gorila / Princesa da mãe / Gorila do pai.
Odeio biberões, não consigo lavar nem mais um sem ter vontade de o esganar. Imagino-me um dia a fazer uma fogueira de biberões e eles todos a chorarem e pedirem-me perdão.
Sim, os dias assumem tal ritmo que me questiono se terei trocado o Valdispert por um alucinogénio.
O banho é o vislumbre de um oásis no deserto com um minuto para o champô, outro para o amaciador e, enquanto este repousa, ensaboo bem o corpinho pois não sei quando terei outra oportunidade. Ao todo, cerca de dois minutos: sempre se poupa na conta da água e não chega para embaciar o espelho. E na alcofa no chão, junto à porta da casa de banho, há um bebé mirone prestes a abrir a goela.
A Zara e até mesmo a loja do chinês estão fora de moda. A farda transforma-se em mamas de fora e pés descalços para não fazer barulho. A sola dos pés está negra, pois não há tempo para limpar o chão. As calças são sempre as mesmas, as únicas que me servem, bolsadas. Se tenho visitas, visto uma das três camisolinhas que acho que me ficam bem.
Por volta das duas da tarde, enfio um iogurte. De preferência com bífidos que ajudam o intestino a ser feliz e, se fizer um cocó bonito, a miúda também faz e já somos três a ser felizes. Ao jantar consigo comer mais um pouco, pois o pai já chegou a casa, mas não como necessariamente melhor, pelo que mantenho o corpinho em forma de pêra madura de Alcobaça.
Vinho não. Cerveja não. Refrigerantes não.
Água. Aquela que acho que poupo no banho, é a que tenho de beber às litradas, disse-me a pediatra e o grupo de mamãs do Google.
Bem-dito cigarro em pausa de tarefas. Sabe a mim, seja lá essa quem for, mas que não é esta mamã com toda a certeza. E quanto mais a outra sou, mais me apetece saber a mim. Quer isto dizer que voltei a fumar. Entre os vários Marlboro, escolho o soft pack, não tanto pelos vinte cêntimos a menos e mais pelo conforto de alma que traz a palavra soft.
Enquanto fumo para finalmente respirar alguma inércia, eis que milhares de pensamentos sobem ao meu cérebro como espermatozoides em direcção ao óvulo. E penso. A profissão mais velha do mundo não é a de puta. É a de mãe. Todas as putas têm a sua mãe.
Ser mãe é uma profissão, é um emprego full-time sem carteira profissional, sem descontos para o Estado, sem Segurança Social. É a profissão ilegítima socialmente mais legal e que transgride todas as leis laborais. Não há horários afixados em lado nenhum, não me pagam horas extra, feriados ou subsídio de alimentação. Só vou para casa quando o trabalho estiver concluído, ou seja, daqui a uns 20 anos.
E como dizem “ajoelhou, tem de rezar”, quando a miúda dorme, o lar vira igreja, tal o silêncio que se ouve. Reconfortante. E sim, rezo, rezo muito para que se mantenha assim por mais de 15 minutos.
Neste compasso de tempo imagino-me a relaxar comodamente no sofá, a ler sob uma brisa fresquinha ou a fazer qualquer uma das dezenas de coisas que um dia achei que ia fazer durante a licença de maternidade. Imagino-me uma mamã tranquila a ocupar as pausas num jardim, num museu, na esplanada. E enquanto imagino, o tempo passou e um cocó amarelo berra na espreguiçadeira. Termina o silêncio, começa a missa e sei que vou ter de passar pela Avé Maria e pelo Pai Nosso que estais no Céu. Porque aqui não há o sétimo dia de descanso.
Quanto mais dias passam, mais gosto da minha bebé.
– Podias chamar-te Alice mas não serias tu. Alicinha é a avó e tu és a neta e como primogénita merecias um nome todinho só teu, a estrear. Podias ter todos os outros nomes do mundo que não Laura. Mas só Laura te faz Laura, minha Laura.” – in Publico, em 28.08.2013
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