Afinal as mães não envelhecem
Escrevemos muito sobre os filhos, sobre os sentimentos que temos por eles e o que significa para nós ter aqueles dois olhinhos pequeninos ali, primeiro ao nível das nossas pernas, depois da cintura, depois do peito, e sempre a subir… olhos tão curiosos e brilhantes, bonitos, risonhos, e desdobramos-nos em mil temas sobre a responsabilidade de os ensinar a viver, de os fazer crescer até que se tornem adultos, completos, felizes, enfim, futuros cidadãos que criamos com enlevo e com a esperança de que queiram bem aos outros, e que nos queiram sempre bem, a nós.
E escrevemos muito sobre nós, e o que é ser mãe, a gravidez e o parto, a complexa metamorfose do corpo, o peito que descaiu, o casamento que esfriou, o trabalho que se empina na secretária, a vida de todos os dias envolta em mil tarefas domésticas chatas e rotineiras, e o que isto nos custa a cumprir.
E como custa!
Mas hoje faço diferente.
Hoje decido afastar-me de mim, da minha filha, da minha maternidade e dos meus pequenos tormentos diários, e encosto o meu corpo ao corpo da minha mãe, para lhe sentir o calor, a vida pulsada que me envolveu e me criou, e que me ajuda todos os dias, na difícil tarefa de me manter à tona como mulher e como mãe, mas sobretudo que nunca me abandona como filha.
A minha mãe fez 61 anos.
É praticamente impossível acreditar que a nossa mãe faça anos, quanto mais 61.
Quando eu era só filha, ouvia muito dizer que para as mães os filhos nunca crescem.
É uma tremenda injustiça pensar nisto unilateralmente, já que eu, como filha, também creio que a minha mãe nunca envelhece.
Parece-me que para ambos, mães e filhos, houve um momento lá atrás que ficou cristalizado no tempo. Houve ali um segundo em que o tempo das mães e dos filhos parou, exatamente no mesmo momento.
E para ali ficaram os dois, para sempre.
Para mim, a minha mãe está lá atrás, naquele tempo, e quando a procuro, vou ainda ao encontro duma mãe muito alegre, que me abria tomates com sal, e segurava sedutora o seu cigarro pequenino com mãos sapudas, mesmo que por estes dias a encontre pachorrenta, com uma mão segurando uma cara redonda e com a outra fazendo festas num gato, tão lânguido como ela.
Continuo no entanto sorvendo dela os ensinamentos de outros tempos, agora com mais atenção, com mais cuidado, mas gosto de pensar que tenho a mãe que sempre tive, e que tenho a mesma mãe de sempre.
A minha mãe não envelhece e não está velha. Coleciona os anos, as vivências, as durezas da vida, mas é ela, aquela mãe.
Outros há, que ilusionados pela torpeza da maternidade vêm dizer que só quando uma mulher se torna mãe é que descobre e entende, finalmente, a importância da sua própria mãe.
Discordo.
Esta descoberta, que muitos atribuem erradamente à maternidade, é feita ao longo de toda a vida com o apurar e o afinar dos ensinamentos filiais, que desde criança fomos sorvendo.
Creio que a maior descoberta de uma mulher não é a maternidade, mas sim a descoberta do amor filial que consegue sentir pelos outros, que consegue dar aos outros, filhos ou não, e que sem se aperceber aprendeu com a sua mãe.
É no fundo a mãe que nos ensina como amar.
E ninguém ensina como ela.
Percebo porque escrevemos tanto sobre os filhos, e sobre nós.
Uma vida inteira não chegaria para (des)escrever as palavras minha-mãe, o que me fez a mim, o que fez por mim.
De todas as vezes que me senti na escuridão (da imaturidade), na loucura (da idade), no desespero (do amor), no desconhecido (da maternidade), e na incerteza (da vida), foi ela que me deu as ferramentas para que eu conseguisse abrir as minhas janelas, e muitas das vezes abriu-as ela por mim.
Crescemos juntas, as duas, a minha mãe e eu.
Somos as duas da mesma idade, porque somos só uma.
Lá atrás naquele tempo.
Quem é ela?
Sou eu.
imagem capa@iheartinspiration.com/
Dedica grande parte do seu tempo livre à escrita, à leitura e à arte. É casada e mãe de uma menina de oito anos, a frequentar a escola pública.
Um dia vai ser escritora, mas por enquanto continua a trabalhar.