
Amamentação. O óbvio e o menos óbvio
Amamentação. O óbvio e o menos óbvio
Amamentar é daquelas coisas que tem tanto de simples como de complicado. Se por um lado dispomos de equipamento para o efeito – leia-se mamas – por outro trata-se de uma actividade nova para as partes envolvidas – a mãe nunca usou as suas mamas como fonte de alimento, o bebé nunca precisou de fazer nada para se alimentar, limitava-se a receber o alimento necessário através do cordão umbilical.
No nosso caso, foi complicado.
A Letícia nasceu quase prematura, tinha os valores da glicemia baixos (esteve quase a ir para a incubadora) e por isso, depois de ter mamado o meu leite, bebeu leite artificial (LA). Mais, tinha imensa dificuldade em permanecer acordada para mamar e em fazer a pega (colocava o lábio inferior para dentro). No hospital (privado) foram incansáveis, apareciam constantemente no quarto para assegurar que a pega estava a ser bem feita, para vigiar se o leite já tinha subido/descido (ao início produzes colostro, um líquido amarelado ou transparente) e para me motivarem.
Embora no hospital tenha dado sempre leite materno (LM) e de seguida LA, em casa decidi investir mais no primeiro. Dava LM, ela adormecia, acordava pouco tempo depois a querer mamar; na altura diziam-me que devia fazer intervalos, criar horários – tudo errado!
A primeira consulta
Na primeira consulta de pediatria a nossa filha tinha perdido peso, o que para um bebé que desde o nascimento se enquadrava no percentil 15 era péssimo. Chorei muito, senti-me a pior mãe do mundo por ter insistido no LM.
A pediatra deu-nos duas alternativas: abandonar o LM ou continuar a dar entre o LA.
Nos dias seguintes, com o aumento de consumo do LA, notava-se um desinteresse cada vez maior pelo LM, como resultado eu produzia cada vez menos. Sentia-me triste porque adorava dar de mamar (aquele momento só nosso de pele com pele) e por acreditar que o meu leite era o alimento ideal para a nossa filha. Estava prestes a desistir quando recebi uma mensagem no facebook de uma prima do meu primo (daquelas pessoas simpáticas com quem raramente nos cruzamos) que dizia algo deste género: “Olá, Tânia! Espero que tudo esteja a correr bem. Não sei se sabes que me tornei conselheira de aleitamento materno, se precisares de alguma coisa, avisa“.
Lembro-me de ter chorado de tão feliz que fiquei, aquela pessoa surgia no meu caminho na hora exacta.
A primeira sessão com a Cristina (a tal prima) foi fantástica. Ouviu-me, acarinhou-me, sugeriu e deixou-me escolher o caminho que iríamos seguir. Contrariamente ao que me diziam, a Cristina explicou-me e provou-me (enviou material de apoio) as vantagens de amamentar em livre demanda, ou seja, sempre que o bebé quer. Isto também faria com que a minha produção aumentasse. Confesso-vos que as primeiras noites foram terríveis, enquanto com o LA ela mamava e dormia várias horas seguidas, com o LM tinha de acordar constantemente para dar de mamar (no início chegou a ser de 30 em 30 minutos).
Gradualmente a produção foi aumentando, passei a ter de acordar menos vezes e a dar menos LA.
Contra todas as expectativas, a nossa filha mamou até aos 12 meses, altura em que, com muita pena minha, fez o desmame natural.
Amamentação.
Dar de mamar foi das experiências mais maravilhosas e duras da minha vida.
Gostava de ter sido avisada sobre alguns aspetos desde o início, de dispor de várias alternativas que só mais tarde descobri. Assim, deixo-vos uma lista com as aprendizagens que fui fazendo, sobretudo com a ajuda da conselheira em aleitamento materno, e que poderão fazer a diferença entre uma amamentação feliz e uma amamentação abandonada precocemente.
1 -Prepara-te para que não acertar à primeira.
O bebé está programado para mamar, a tua mama está programada para dar leite, ainda assim nem tudo flui imediatamente. O bebé pode ter dificuldade em fazer a pega, pode ter tendência a adormecer assim que começa a mamar, entre outros; os teus mamilos podem ter um formato que não facilita a amamentação (com ajuda tal poderá ser contornado, evita recorrer de imediato aos bicos de silicone que tornam a sucção mais complicada e podem reter o leite), podem ter mais tendência a formar gretas, etc. Com o tempo (pode demorar!) vais dominar isto e perceber o que resulta com vocês.
2 – Dá de mamar sempre que o bebé quiser.
Não te foques em horários, em criar intervalos e rotinas, tudo isso surgirá naturalmente. O teu bebé necessita de se alimentar e, tal como todos nós, terá o seu ritmo de o fazer. Há quem coma pouco em cada refeição, e por isso coma mais vezes ao dia. Há quem coma mais em cada refeição, e por isso coma menos vezes ao dia. Além disso, o bebé mama de acordo com as suas necessidades em cada fase e será deste modo que as tuas mamas irão perceber a quantidade de leite que precisam de produzir.
3 – “As mamas não são armazéns, são fábricas”.
Esta frase da Cristina é mágica e libertadora! Quando começares a amamentar irás reparar que nos segundos que antecedem a mamada as tuas mamas parecem ter silicone de tão grandes e rijas que ficam. No final apenas te restarão duas uvas passa, moles e sem graça. Quando o bebé pede novamente para mamar e as tuas mamas ainda estão em modo uva passa sentirás que estás a produzir pouco, que ainda não tens leite suficiente para o alimentar, o que é altamente stressante. Eis que surge a Cristina com a explicação de que as nossas mamas não funcionam como armazéns, elas vão produzindo leite enquanto o bebé mama, pelo que uma mama aparentemente vazia não é uma mama inútil.
4 – Quanto mais os bebés mamam, mais leite produzimos.
Este princípio é básico mas menos óbvio do que se possa imaginar. Se sentes que estás a produzir pouco, permite que o bebé mame mais vezes ou, em último caso, recorre a uma bomba tira-leite. Deverás ter muito cuidado para não começares a produzir demasiado leite e entrares num círculo vicioso em que por produzires demais tens de tirar com a bomba e ao tirar vais produzir ainda mais.
5 – O vosso conforto é fundamental.
Apanha as almofadas todas que andem aí por casa e constrói um castelo de almofadas que te permitam e ao bebé sentir confortável enquanto amamentas. Nas costas, por baixo dos braços, no colo, vale tudo.
6 – Respira, relaxa e aproveita o momento.
Enquanto a prolactina é a responsável pela produção de leite, a ocitocina, conhecida pela hormona do amor (é a que está também ligada aos orgasmos) é responsável por estimular a produção de prolactina e permitir que o tecido mamário se contraia de forma a que o leite passe pelas glândulas mamárias. Traduzido por miúdos, a amamentação será mais fácil se estiveres relaxada pois a produção de ocitocina acontecerá de forma mais natural. Andares preocupada por teres “pouco leite” contribui para que tal aconteça.
7 – Não existem leites fracos, nem insuficientes, nem que alimentam pouco.
Vais ouvir esta frase várias vezes, sobretudo quando o bebé chora, mesmo que por outro motivo. O teu leite é ótimo, tem tudo o que o teu bebé necessita, nas quantidades exatas. Como referi, existem bebés que precisam de comer mais do que outros, que querem mamar como forma de consolo, entre tantas outras opções que em nada colocam em causa a qualidade do teu leite.
8 – Inicia a mamada na mama em que terminaste.
Não me irei alargar em explicações técnicas, até porque não estou qualificada para isso. Só quero transmitir a ideia de que enquanto amamentas a composição do leite vai-se alterando. Inicialmente produzes um leite mais aguado, destinado a saciar a sede do bebé, ao passo que no final da mamada o leite torna-se mais rico em gordura e possui mais nutrientes e calorias. Se o bebé não esvaziar a mama e iniciar a mamada seguinte na outra mama poderá não chegar novamente à fase do leite mais rico em gordura. Para evitar que tal suceda, deverás começar pela mama em que mamou da última vez.
9 – Existem dezenas de posições para dar de mamar.
Recordo-me perfeitamente do dia em que a Cristina me perguntou se já tinha experimentado dar de mamar noutras posições. “Como assim, outras posições?!”, perguntei eu completamente baralhada. Sim, existe uma espécie de “mamasutra” a que podes recorrer, com posições que poderão ser mais confortáveis do que a posição tradicional que sempre nos foi imposta. No nosso caso, a Leti mamar sentada (posição cavalinho) permitia que ficasse mais desperta e bolsasse muito menos no final
10 – Cuida bem dos teus mamilos.
Dares de mamar com mamilos feridos/gretados pode tornar-se impossível. Deste modo, coloca algumas gotas do teu próprio leite ou usa um creme adequado.
11 – A amamentação noturna é importante.
Conheço alguns casos de mães que decidiram “saltar” as mamadas da noite, dando LA, o que rapidamente condicionou a sua produção de leite. Durante a noite os níveis de prolactina atingem o seu pico, pelo que é fundamental dar de mamar neste período.
12 – Não laves as mamas antes de amamentar.
A mama tem um cheiro próprio que incentiva o bebé a mamar, retirá-lo não é proveitoso.
13 – Podes sentir o útero a contrair durante a amamentação.
Não te preocupes, é desejável que assim seja! Amamentar facilita a contração do útero, isto é, que regresse ao seu tamanho original (já não precisas de um útero todo dilatado).
14 – “Passei o dia a dar de mamar”.
Poderão existir dias em que andarás de mamas ao léu por saberes que dentro de momentos darás de mamar de novo. Dias em que sentirás que passaste o dia a dar de mamar, em que te questionarás se amamentar é assim tão importante. Tudo isto é natural, eu senti o mesmo. Não obstante, são momentos de cansaço que passam, contrariamente aos benefícios da amamentação que duram uma vida inteira.
15 – Pede ajuda, não serás menos mãe por isso.
Sem ajuda provavelmente a nossa aventura no mundo da amamentação teria durado menos de 1 mês. Se tens dúvidas, se notas que a amamentação poderia correr de forma diferente, procura ajuda profissional. Existem grupos no facebook dedicados ao aleitamento materno (embora alguns deles sejam compostos por pessoas fundamentalistas), a rede amamenta, as Cam’s de Portugal e as conselheiras em aleitamento materno em carne e osso.
16 – Amamentar deverá ser prazeroso para ambos.
Não o será todos os dias, em todos os momentos, pelo menos convém que seja na sua maioria. Se chegaste a um ponto em que já tentaste de tudo, em que sentes que realmente não está a ser proveitoso nem para ti nem para o bebé, tens direito a não querer prosseguir (na verdade tens direito logo desde o início). O LM é fundamental para o bebé, mas a felicidade e o bem-estar da mãe são mais.
imagem@dephositphotos
A entrada no mundo da maternidade rapidamente se revelou menos “purpurino-brilhante” do que havia imaginado. Poderei ser uma mãe que se sente completa, com disponibilidade para a sua prol, se não cuidar de mim enquanto mulher? Poderei ser uma mulher feliz se não me sentir uma mãe livre?
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