As casas que somos. Visualize a sua casa. Estável. Estruturada. Direita.

As casas que somos. Visualize a sua casa. Estável. Estruturada. Direita.

As casas que somos

Visualize a sua casa.

Estável. Estruturada. Direita. Mas ao mesmo tempo flexível, resistente e segura.

Segura de si. Segura para si.

Visualize o telhado. Consegue vê-lo? As paredes exteriores, as janelas, as portas em todos os seus detalhes. Quer seja mais antiga ou mais recente, convive harmoniosamente com a restante paisagem à sua volta. Quer tenha varandas, terraço ou apenas uma janela pequena por onde a luz pode espreitar, a sua casa e sólida. Não cai. É robusta. Não desmorona. Mesmo que surjam fissuras, ela não cai.

As paredes foram erguidas tijolo após tijolo com o suor precioso de alguém que deu o seu tempo e a sua dedicação a cada momento, a cada detalhe. Alguém que deu o seu melhor para que um dia essa fosse a sua casa. O seu lar.

Visualize agora o interior.

Percorra cada divisão e aprecie como em tempos houve mãos de homens e mulheres a trabalhar arduamente para que a sua casa se fizesse. Pessoas. Como cada um de nós. Pessoas com famílias. Homens e mulheres com sentimentos, emoções, fragilidades.

Agora suba até ao telhado. O telhado foi colocado telha após telha, com vagar, arte e perícia, seguindo a técnica com que cada material precisa de ser manuseado. A madeira não se trabalha da mesma forma que o ferroou que a telha. O cimento é assentado à mão e delicadamente alisado para que as paredes consigam ficar direitas. Cada material necessita de uma manuseamento próprio para conseguir ser trabalhado.

Vários materiais podem ser aplicados simultaneamente, mas raramente com atropelos.

O telhado foi aplicado apenas após as paredes exteriores – e interiores – estarem construídas. Nunca antes. Nunca ao mesmo tempo. E caso acontecesse, os construtores teriam de voltar atrás, redefinir estratégias, gerir equipas e voltar ao processo correcto para dar estabilidade à construção. Mas SEMPRE respeitando os materiais. O que os materiais precisam. Utilizando cada uma das ferramentas que o material precisa.

Agora, ousemos ir um pouco mais profundamente.

Visitemos aquele lugar que os nossos olhos não alcançam. Aquele lugar que está lá e que tão raramente nos lembramos que existe. No entanto, ele está lá. Ele foi o início.

A origem a partir da qual tudo se ergueu.

Está lá de uma forma tão presente que sem ela seria impossível a nossa casa, segura e estável, se aguentar por um milésimo de segundo.

A nossa casa só se ergue durante anos, décadas ou gerações quando as suas fundações são estáveis o suficiente para lhe dar estrutura, mas flexíveis o suficiente para – em caso de um abanão forte – ela permanecer erguida.

Foi graças ao respeito pelos materiais que os construtores conseguiram edificar as nossas casas, começando por uma dedicação atenta às fundações.

Aquilo que os nossos olhos nunca vêem mas que sem elas, nenhuma casa resistiria.

E nós somos como as casas que vivemos.

A nossa infância são as nossas fundações, o lugar onde aprendemos o que partilharemos com o mundo, o que partilhamos com os nossos filhos, onde aprendemos a amar ou a castigar, a tolerar ou a julgar, a agredir ou a integrar.

Se os construtores usarem nas fundações material deteriorado, se optarem por não respeitar os materiais e insistirem em trabalhar o aço da mesma forma que trabalham a madeira, se usarem instrumentos que não funcionam para que a casa se erga de forma flexível, mas estruturada, dificilmente a casa resistirá sem colapsar. Eventualmente.

Sem fundações emocionais assentes no respeito, no amor, na tolerância – especialmente por aquilo que não conhecemos ou não entendemos – dificilmente a casa que somos se erguerá de forma saudável, preparada, sustentada para receber quem podemos tornar-nos.

A infância é onde as emoções se formam.

Como pais, é da nossa responsabilidade –  tal como é da responsabilidade dos construtores das nossas casas construir as fundações das nossas casas –  formar as emoções dos nossos filhos, educá-los com compreensão, respeito e amor – em vez de reprimendas, etiquetas, críticas, castigos ou imposição de poder – dando-lhes as ferramentas que precisam para que se sintam valorizados e apoiados em todos os momentos. Desde bebés.

Se formarmos as emoções dos nossos filhos da mesma forma que os alimentamos ou vestimos, tendo como base a beleza, os sonhos, o amor, a compreensão, a integração – trabalhando ao mesmo tempo as nossas próprias emoções, as nossas próprias crenças e valores – serão casas felizes, emocionalmente bem estruturadas, acolhedoras e tolerantes.

E ao olharmos para eles daqui a uns anos, do interior da nossa própria casa – ou do nosso telhado – para a casa que eles também serão, ao vê-los serem eles também pais de pequenas fundações que se erguerão noutras casas e noutras e noutras, teremos a certeza de que cumprimos o nosso propósito. A nossa missão. E que lhes deixamos um legado de amor e de bondade.

Aquele legado que sonhámos deixar a primeira vez que imaginámos sermos pais.  E do qual o mundo precisa. E o mundo começa em nós

M. J. Silva é autora dos livros Rich Parent, Poor Parent – Discovering Your Purpose, da série The Rich Parent, sobre parentalidade positiva.
Jornalista, investigadora área do desenvolvimento emocional

Para além de livros sobre parentalidade, escreve também romances e livros infantis. É uma forte activista dos direitos da criança e do fim da violência contra as crianças.

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