
As crianças não fazem birras
As crianças não fazem birras
A nossa cultura ensinou-nos a ver as crianças como nossas adversárias.
As crianças fazem birras, as crianças portam-se mal. As crianças só sabem chatear. Desafiam-nos, testam-nos, desarrumam tudo. Estão aí para nos levar ao desespero.
Não me parece.
Mas a verdade é que acreditamos nisto – a agimos sobre esta premissa diariamente – de tal forma que se torna mais do que óbvio – e incompreensível que haja alguém que não o faça – que tenhamos de puni-las, de afastá-las, de deixá-las sozinhas quando não correspondem aos comportamentos esperados, quando se exaltam ou perdem o controlo das suas emoções por alguma razão.
Acreditamos que estão a ser mal-educadas, que nos estão a faltar ao respeito, quando a bem da verdade, lhes estamos a passar a mensagem de que não têm direito a exprimir as suas emoções negativas. Temos de saber ensinar-lhes paciente e generosamente como exprimir essas emoções. Desde cedo. Porque essas não são para bloquear.
Da minha pesquisa e das minhas experiências pessoal e profissional, as crianças não fazem birras. As crianças não se portam mal.
As crianças são crianças. Onde é que, ao longo do caminho, nos esquecemos que fomos nós que as quisemos?
As crianças manifestam as necessidades, vontades, medos, cansaço e sentimentos gigantes que têm da melhor forma que sabem e podem. Passam por emoções que nem imaginamos, vivem e assistem a situações que muitas vezes não sabem – nem conseguem – processar. Isso não faz delas mal comportadas, chatas, birrentas ou bebés. Faz delas pessoas (pequenas) num mundo tantas vezes assustador.
O mundo é feito de pessoas e se as pessoas que têm o privilégio de formar pessoas mais pequenas as souberem formar e educar de uma forma pacífica, gentil, ensinando desde a primeira infância os limites de forma empática, conectando-se e ligando-se às suas crianças de forma generosa, compreensiva nos momentos mais difíceis, serão adolescentes e mais tarde adultos assim que teremos.
E será esse o mundo que estaremos a criar. Quer acreditemos nisso quer não. A responsabilidade é nossa.
É uma questão cultural que tem passado de geração em geração que nos tem ensinado – e feito crer dogmaticamente – que a única forma de educar pessoas responsáveis, cumpridoras e bem sucedidas é sendo pais e professores exigentes, inflexíveis e firmes.
Como se isso fosse o mandamento mais imperativo.
Não é.
O mandamento mais imperativo a ter em atenção na formação do ser humano é a formação saudável das emoções. Dos vinte anos que trabalhei com crianças, não encontrei uma – uma única! – que conseguisse bons resultados na escola quando as suas emoções estavam desreguladas, destruídas até, em alguns casos. Muitos.
As crianças constroem a sua auto-imagem através dos inputs implementados desde o nascimento, pelos adultos.
São as emoções dos adultos, em primeiro lugar – os estados de espírito, as frustrações, a sua própria auto-imagem, os seus traumas, as suas crenças, – que lideram a forma como estes interagem com as crianças, a forma como lidam com elas, como as tratam.
Aprendemos que as crianças nos desafiam, que querem controlar e ter tudo à sua maneira. Nós acreditamos nisto e as nossas relações com os nossos filhos sofrem com isto. Aprendemos que temos de controlar as suas birras e que é obrigatório zangarmo-nos quando não correspondem às nossas expectativas, chegando até a magoar o seu corpo e ferir a sua alma para marcar a nossa posição de poder.
Desunimo-nos delas, desconectamo-nos nos momentos em que mais precisam que nos liguemos a elas, que as apoiemos. Isto passa-se em casa, na escola. Nos locais que deveriam ser lugares de referência, onde as crianças se devem sentir acarinhadas, respeitadas, seguras.
Aprendemos a criticar as crianças, a julga-las, a castigá-las, em vez de escutá-las, compreendê-las – mesmo que a situação nos desconforte – de aceitá-las. Esquecemo-nos de que educar é passar um legado diário de amor, de compreensão, de motivação positiva, de empatia sob todas as suas formas, em todos os momentos, em especial aqueles que são mais difíceis de gerir pela criança ou pelo adolescente.
E aqui cometemos um grave engano.
Confundimos educação com imposição de autoridade, julgamos que temos de ser reis absolutistas no nosso castelo e que as crianças têm de ser submissas às nossas vontades, ordens e desejos, descurando-nos de negociar em vez de exigir aquilo que elas não nos podem dar, esquecendo-nos de ser tolerantes em vez de criticar, esquecendo-nos de ensiná-las – liderando pelo exemplo e não pela imposição- tendo em conta o seu funcionamento natural e orgânico, neurológico, físico e emocional.
Se esses factores não são respeitados, não é responsabilidade da criança. É de quem é responsável pelo seu percurso educativo. Seja em casa ou na escola.
Toda a aprendizagem deve ser feita de forma orgânica e natural. Não imposta. Não coerciva.
Uma família de seis filhos ou uma turma de vinte alunos, terá o número de personalidades, necessidades, carências e potencialidades em proporção ao número de crianças que aí existirem. E todas têm valor. Todas têm potencial. Cabe ao adulto estimulá-las e motivá-las de forma positiva. E não uma vez. Em todos os momentos. Um educador, seja um pai, uma mãe, um avô, uma avó, um professor, educador infantil ou auxiliar educativo, deve ser, acima de tudo, um mentor.
As crianças e os adolescentes são pequenos humanos que fazem o seu melhor com o que têm, que só querem ser amadas e respeitadas pelo que são, sentir-se seguras, protegidas, façam o que fizerem, digam o que disserem.
Quando aprendermos isto e agirmos sobre isto, deixará de haver lugar para gritos, rótulos, vergonha, castigos e todos construiremos uma relação melhor e mais forte com os nossos filhos.
Como afirma Rebecca Eanes, as crianças não são nossas adversárias. Elas são a nossa maior dádiva. Tratemo-las como tal.
Muito interessante
Parabéns por este texto maravilhoso, pois traduz por escrito tudo o que sinto, defendo e acredito. Se todos os adultos entendessem e pusessem em prática a parentalidade positiva teríamos com toda a certeza um mundo mais feliz.
Tanto se tem escrito, nos últimos tempos, sobre a emergente necessidade de ensinar às crianças a compreender e gradualmente a saber gerir as suas emoções. No entanto, acredito que existe ainda um caminho longo a percorrer, neste sentido.
Como profissional de educação, penso que este “trabalho” deveria ser iniciado pelos pais, com esclarecimento sobre a importância da compreensão das emoções e da afectividade, para que posteriormente eles possam educar o coração dos seus filhos. Se um ser humano não tiver experienciado os afectos, não tiver compreendido as emoções que o assolam, como poderá ensinar os seus filhos? NÃO PODERÁ …!!!! Pois ninguém pode dar o que não tem!!!!
Concordo a 100%
Num mundo onde as crianças que dão opinião e manifestam iscaria interesses, são consideradas “mal educadas”. Bem haja haver adultos que conseguem falar com estes pequenos/grandes seres de alma para alma!!! Grata pela mensagem