As crianças não precisam de aprender a ser crianças
Protejo-te porque não confio em ti?
Recentemente, um pai dizia-se assustado, porque o colégio do filho (neste caso seguidor da pedagogia Waldorf) deixava as crianças subirem às árvores. Contudo, dizia conseguir compreender que era uma forma das crianças aprenderem com a queda. Reflectindo um pouco sobre esta questão, é fácil entender o registo em que nós, pais, ainda vivemos. Seja porque a deixamos subir para cair, seja porque não a deixamos de todo subir, assumimos à partida que a criança não consegue. Aparentemente, o sentimento que está na base da nossa escolha, enquanto educadores, é o de que a criança não é capaz. E assim lidamos com os nossos filhos, como se tivéssemos a certeza do seu fracasso ou incapacidade de viver determinadas situações.
E se pudéssemos olhar para as coisas num outro ponto de vista?
Algo me diz que, se naquela escola se levasse uma criança ao hospital semanalmente, as coisas seriam diferentes. E se aceitarmos que, na realidade, as crianças podem subir às árvores, porque os educadores acreditam, pura e simplesmente, que elas são capazes de o fazer sem se magoarem? E, de repente, já não se trata de ensinar ou proteger, mas sim, libertar as crianças para que elas possam fazer o que verdadeiramente já são capazes de fazer.
Nós ainda acreditamos que o nosso papel é, essencialmente, o de limitar e impedir.
Nós ainda acreditamos que ensinar é pela negativa. A lógica ainda é a de que, se subir à árvore, a criança vai cair, e por isso vai aprender. No entanto, cada uma daquelas crianças está, sozinha, a aprender a subir, a agarrar-se bem, a colocar os pés nos sítios certos (ou seja a proteger-se), a superar-se, a conhecer as suas potencialidades e capacidades, a acreditar em si mesma e, com isto tudo, ainda se diverte!
Nós, pais, dificilmente conseguimos deixar tudo isto acontecer, porque limitamos o mundo das nossas crianças, à partida e de acordo com os nossos próprios medos. Uma árvore é hoje assustadora, e falo por mim, que ficaria com o coração nas mãos se visse a minha filha a subir a uma árvore (ainda que o tivesse feito eu mesma, na infância). Mas na verdade, esta dificuldade dos pais em confiarem nas capacidades dos seus filhos, vai muito além – “Não corras que cais”, “não subas no banco”, “ainda não consegues comer sozinho”, “não sabes… não podes…”, são frases frequentes.
Eu consigo!
Há relativamente pouco tempo, a minha filha de 3 anos, disse-me “eu entro sozinha na banheira, mãe“, eu respondi-lhe, claro, para ela esperar um bocadinho que eu já a ajudava (assumindo à partida que ela ainda não conseguia). Quando me virei, já ela estava dentro da banheira e, com um sorriso enorme disse-me “vês mãe, eu consigo, eu disse-te”. Se dependesse de mim, estaríamos as duas mais uns valentes meses sem saber que ela já era capaz.
Noutra situação, seguíamos na rua, com chuva, e ela decidiu passar entre dois postes mais apertados. Apressei-me logo a dizer-lhe, “filha, não consegues passar aí com o chapéu de chuva, anda por aqui…”, ela olhou em frente, parou, girou o chapéu e passou. Olhou para mim, feliz com o seu sucesso e lá me disse “eu consigui, mãe”. E eu pensei para mim mesma, “perdeste uma oportunidade de ficar calada…“. Deve ser muito estranho para uma criança ouvir um adulto dizer-lhe que ela não consegue fazer uma coisa, quando ela acredita, e sente, que consegue.
Em contrapartida, a minha filha começou a andar aos 9 meses porque acreditámos e deixámo-la experimentar. Logo depois, decidiu que andar não tinha piada e começou a correr para todo lado. Coração de mãe sofre, mas não lhe podia dizer que ela não era capaz! Começou a comer de talheres muito cedo, porque eles sempre estiveram lá, para quando ela quisesse experimentar. Deixo-a experimentar bastante, mas tenho plena consciência de que ainda a limito muito, baseada na minha crença (muitas vezes errada) de que ela ainda não é capaz sozinha.
As crianças não precisam de aprender a ser crianças, nós é que estamos a aprender a ser pais.
Por isso é que vivemos tantas vezes inseguros e assustados. Por isso, os limites devemos impô-los a nos mesmos e estes devem ser definidos por uma auto-análise cuidada dos nossos receios (por vezes infundados), e da nossa necessidade de controlar a realidade dos nossos filhos. Porque a crença de que os estamos a proteger e a ensinar, esconde muitas vezes o medo que temos de falhar na sua protecção, e o medo de não sermos pais suficientemente bons. E com isto, pecamos muitas vezes pela sobre-protecção, e por nos substituirmos a eles na sua experiência da vida e do mundo.
Deixar o nosso filho correr para a estrada?
Claro que não, somos adultos e perfeitamente capazes de usar o bom senso. Precisamos, acima de tudo, de perceber quais são os limites que fecham os nossos filhos numa sensação de incapacidade contínua, e distingui-los daqueles que efectivamente lhes permitem perceber que nós estamos cá para os proteger. O nossa responsabilidade não é só de impedir. É, muito mais ainda, de permitir e promover as conquistas. Precisamos, acima de tudo, de confiar nas nossas crianças, para que elas não acabem por perder a confiança que lhes é inata.
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