É frequente o surgimento de dúvidas acerca do bilinguismo: ajudará ao desenvolvimento da criança ou, pelo contrário, dificultará a correta aquisição linguística? A crença generalizada nalguns mitos chega a influenciar o modo como as pessoas interagem com as crianças expostas a mais que uma língua, quer sejam os próprios pais e família quer sejam os seus educadores/professores, médicos…
O bilinguismo é definido como a capacidade de uma pessoa ter um controle nativo de duas línguas tendo, por isso, competências comunicativas idênticas, quer ativas (falar e escrever) quer passivas (ouvir e ler) em ambas as línguas.
No desenvolvimento linguístico das crianças importa distinguir aquelas que são verdadeiramente bilingues, das crianças que fazem a aprendizagem de uma segunda língua. No caso das crianças bilingues, estas aprendem as duas línguas durante os primeiros anos de aquisição da linguagem (entre os 1 a 5 anos de idade) e essa aquisição dá-se em contexto informal, sem recurso a um professor. As crianças que aprendem uma segunda língua normalmente fazem essa aprendizagem após a aquisição da língua materna (depois dos 5 anos de idade) e é realizada num contexto mais formal, exigindo em princípio um esforço escolar acrescido.
A predisposição das crianças para a aprendizagem linguística não ocorre per se. As experiências comunicativas a que a criança é exposta influenciam diretamente o desenvolvimento da linguagem. É possível constatar que a qualidade e quantidade das interações comunicativas se reflete em diversos domínios linguísticos, nomeadamente no nível de vocabulário, no domínio das regras específicas de uso da língua, assim como na maior ou menor utilização de estruturas complexas.
Para que uma criança aprenda uma língua basta que a mesma esteja exposta a ela, isto é, que ouça as outras pessoas a falar e que estas falem com ela. Se uma criança está exposta a mais que uma língua no seu dia-a-dia será natural que aprenda a compreender e a se expressar em ambas.
Estão generalizados alguns mitos relacionados com o bilinguismo e, por vezes, surgem dúvidas se o mesmo ajuda a crianca a desenvolver ou se, pelo contrário, dificulta a correta aquisição linguística. Estes mitos chegam a influenciar o modo como as pessoas interagem com as crianças expostas a mais que uma língua, quer sejam os próprios pais e família quer sejam os seus educadores/professores, médicos…
Dado que a globalização mundial torna o acesso às várias línguas mais facilitado, em parte devido à circulação de pessoas pela migração, surge a necessidade de desvendar dois desses mitos que assumem um papel influente na escolha ou rejeição do bilinguismo.
Estar exposto a duas ou mais línguas em idades precoces predispõem a criança a ter um atraso da linguagem.
Em todo o mundo ocidental ainda existem terapeutas e médicos que aconselham os pais de crianças que estão expostas a mais que uma língua a eliminar uma delas. Nestas situações os pais acabam por optar por deixar de expor a criança à lingua minoritária pois crêem que o domínio da língua que é utilizada no ambiente global lhes trará mais oportunidades. Esta ideia é facilmente aceite por se pensar ainda que o facto de a criança ouvir mais que uma língua levará a que a mesma fique confusa e que por isso desenvolva atrasos linguísticos.
No entanto não existem evidências científicas de que o bilinguismo está associado a atrasos ou perturbações da linguagem, ou que o facto de se eliminar uma das línguas trará automaticamente benefícios na outra. Por outro lado, o término da exposição repentino de uma língua poderá trazer problemas emocionais e psicológicos pois sabe-se que a língua está ligada à emoção, ao afeto e à identidade.
Estudos recentes comprovam que o uso de mais que uma língua no dia a dia das crianças tem uma influência positiva no desenvolvimento de alguns processos cognitivos como a atenção seletiva e o controlo inibitório (capacidade para evitar elementos distratores), quando comparadas com crianças monolingues da mesma idade. Estas e outras funções executivas estão relacionadas com o planeamento de ações e a tomada de decisões mas, acima de tudo, com o convívio em sociedade.
O bilinguismo infantil não traz benefícios apenas para o desenvolvimento linguístico das crianças. Outros estudos evidenciam também resultados bastante positivos em tarefas não linguísticas relacionadas com o controlo para inibir informações distratoras, o que traz benefícios claros para a atenção seletiva e sustentada necessária para o desenvolvimento cognitivo e escolar das crianças.
O uso das duas línguas na mesma frase indica que a criança não consegue distinguir as várias línguas.
Sabe-se que quando uma criança está a aprender duas línguas, estas passam por uma etapa de mistura entre as duas. Há quem diga que o facto de uma criança produzir palavras de ambas as línguas numa mesma frase revela a sua confusão linguística que se reflete na incapacidade de a criança distinguir as línguas entre si. Está provado, no entanto, que a utilização de duas línguas numa mesma frase por bilingues adultos espelha uma excelente competência linguística. Também se pode verificar que as crianças que usam palavras das duas línguas numa mesma frase acabam por produzir mais frases numa só língua o que demonstra claramente que são capazes de separar ambas as línguas.
Recomendações aos pais
Embora seja difícil citar todos os aspetos aos quais os pais devem ter em conta quando a sua criança está numa situação de aprendizagem linguística bilingue, apresentam-se algumas sugestões que certamente os ajudarão neste processo.
- Interaja naturalmente com o seu filho sem a necessidade de escolher uma ou outra língua. Certifique-se apenas de que o seu filho ouça ambas as línguas de forma frequente e em circunstâncias diferentes. Tente que essa exposição seja consistente;
- Crie oportunidades para que o seu filho utilize as várias línguas às quais está exposto;
- Leia livros com o seu filho em cada uma das línguas que ele está a aprender;
- Se tem mais que um filho, converse com ambos na mesma língua e não use uma para cada filho. Como já foi dito, a língua está fortemente ligada às emoções e o facto de utilizar línguas diferentes para com os seus filhos poderá criar sentimentos de exclusão e levantar questões emocionais, afetando assim, o seu comportamento.
- Evite mudar radicalmente a língua com que fala com o seu filho, principalmente quando tem menos de seis anos. Por exemplo, não comece a falar em Inglês com o seu filho se sempre falou em Português.
- Se quer que o seu filho utilize uma determinada língua consigo encoraje-o a usá-la sempre que ele se dirija a si. Peça para ele repetir o que disse na língua preferida e ajude-o na escolha das palavras apropriadas para o que quer transmitir.
- Não faça da aquisição bilingue uma questão central na vida dos seus filhos e não os repreenda ou castigue por usarem ou não usarem uma língua em particular. Siga a sua intuição e se sentir que o seu filho não está a falar como deveria durante os anos pré-escolares peça ao seu médico para prescrever um exame auditivo e uma avaliação de terapia da fala mesmo que lhe digam que o atraso pode ter como origem o bilinguismo.
O bilinguismo não tem que ser uma barreira à aquisição linguística por parte das crianças e pode até ser um impulsionador, trazendo mais oportunidades no decorrer da vida da criança.
Bibliografia:
SIM-SIM, Inês. Desenvolvimento da Linguagem. Lisboa: Universidade Aberta, 1998
DE HOUWER, Annick. Two or More Languages in Early Childhood Some General Points and Practical Recommendations. ERIC Digest,1999
BRENTANO, Luciana. Fontes, Ana Beatriz. Bilinguismo escolar ou familiar?. Organon, Porto Alegre, nº 51, julho-dezembro, 2011, p. 19-38
Por Terapeuta da Fala Andreia Batista
Colocamos paixão no que fazemos. Acreditamos que cada pessoa é única, colocamos paixão em tudo o que fazemos, assumimos um compromisso consigo.