Carta de um pai ao Diretor da Escola
Caro Senhor Diretor
Muito se fala de alunos ou professores e pouco dos diretores de escola. Parece-me injusto pois creio serem eles quem define o caminho que a escola deve seguir e a maneira como ela deixa uma marca na vida dos nossos filhos. Para além disto, gerir tantas sensibilidades deve ser complexo. Não compreendo o desinteresse pela sua atividade e até aceito que lhe sobrem poucos momentos de reflexão.
Espero que esta mensagem lhe chegue no arranque de mais um ano letivo. Reconheço que o número de currículos, faturas e e-mails o devem ocupar bastante. Quando tentar lê-la, também sei que o vão interromper umas três vezes, e que cada pessoa que lhe bater à porta vai trazer um problema novo para resolver. Pode ser da delegação de saúde para conferir as vacinas, ou, cruzes canhoto, a caldeira da escola a dar problemas novamente. Essas pessoas confiam em si para resolver problemas, é melhor abrir a porta. Logo, quando a escola estiver fechada, depois de verificar que ficou tudo limpo e desligado, poderá voltar ao gabinete para pegar nos assuntos que precisam de silêncio para resolver.
Ultimamente têm acontecido coisas na escola que me parecem estranhas. Peço que me ajude a compreender, Sr. Diretor.
Não me parece bem ver o meu filho passar tanto tempo à secretária, nem sei se isso nos garante que aprenda melhor. Não sou especialista em ensino, mas tenho a noção que na minha vida aprendi mais a fazer do que a ouvir, mais em grupo do que isolado.
Estou quase com quarenta, e no escritório, para pensar melhor, ainda preciso de dar uma volta de vez em quando, ou de vaguear pela sala quando o telefone toca.
Para tentar perceber porque é que o meu filho resiste a sentar-se comigo a fazer os trabalhos de casa, resolvi atuar. Obriguei-me a ficar após o trabalho, mais uma hora e meia sentado numa cadeira. O resultado foi surpreendente: após a primeira meia hora comecei a suspirar frequentemente, a esticar as pernas, os braços e a coluna.
Ainda não tinham passado 45 minutos, quando reparei que o meu pensamento desacelerou (não porque estivesse cansado, pois saiu de mim a correr). Quando o voltei a apanhar já tinha passado uma hora e remexido articulações que nem sabia que tinha. Na fase seguinte, voltei à juventude: consegui equilibrar a cadeira em apenas duas pernas e espraiei o tronco todo no tampo da mesa.
Senhor diretor, sou adulto.
O médico diz que estou ótimo e é da minha natureza estar mais quieto do que uma criança. Se no final de um dia inteiro de escola me convidassem a resolver uma ficha durante 1.30h em casa, resistiria como um rebelde.
Desde que prolongaram a duração das aulas e diminuíram o tempo de recreio na escola, que há cada vez mais crianças medicadas na sala do meu filho. Tenho reparado, outros pais também, e não aceitamos que a modernidade seja a responsável. Realidades como esta preocupam-nos a ponto de afastarmos a ideia de ter mais filhos por ser arriscado. As instituições educativas são demasiado coniventes com as orientações do currículo que contrariam a natureza dos mais novos. Nós também já fomos crianças e ainda nos lembramos disso.
Sei que o Sr. Diretor também já deve ter pensado nisto. Assim, este ano, venho pedir-lhe que faça diferente. Confio na sua capacidade para moderar problemas sérios que precisam do nosso tempo e inspiração. Se abdicar dos trabalhos de casa por completo não é uma opção no ensino. Podem existir outros caminhos: será que precisam de marcar-se todos os dias da semana, seguindo repetidamente a mesma direção? Planear tarefas que valorizem e respeitem o tempo escasso que as famílias passam em conjunto, é possível. E devia praticar-se mais nas escolas.
Brincar é uma condição essencial para aprender mas também para ensinar.
Aplicar este princípio no caderno do tpc seria um passo determinante para aumentar a participação dos pais na educação dos filhos e para reafirmar a certeza de que a escola proporciona experiências positivas, mesmo à distância de um bolso da mochila, antes da hora do jantar.
O que me diz, Sr. Diretor?
imagem@paiefilho
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