Como con(viver) com o terrorismo
Vivemos em tempos de mudança.
Desde sempre me lembro de haver aquelas notícias que os meus pais evitavam que espreitássemos na televisão quando éramos crianças. Infelizmente desde sempre me lembro de haver cenários de guerra, espalhados um pouco pelo mundo, com as respectivas imagens de violência que naturalmente lhe estão associadas.
Hoje em dia mudaram-se os homens mas há muitas guerras que se mantém. Todos os dias nos chegam relatos de ataques suicidas, de bombas, de explosões, seja no Iraque, na Síria, no Médio Oriente. Lamentamos as mortes, consternamo-nos com o facto de serem uma presença diária na nossa existência, rezamos baixinho pelas famílias que perderam os seus, pelas tantas vidas que vivem tudo isto de perto sem lhe poder escapar e… continuamos a cortar os legumes para a sopa, esperamos pela música que vem a seguir na rádio, abraçamos um pouco mais os nossos filhos.
Desde 2011 que convivemos mais de perto com outro tipo de guerra, o terrorismo. E lamentavelmente ele tem vindo a ganhar terreno e a chegar mais perto, a deixar-nos a pensar duas vezes “e se”. Quantos de nós não conhecem alguém que esteve perto do inúmeros ataques que se têm vindo a desenrolar ao longo dos últimos anos, meses, semanas? Quantos de nós não pensaram que foi por uma questão meramente de calendário que não foram atingidos?
Hoje acordei com as notícias do ataque em Manchester. Mais uma vez, aqui tão perto. E as circunstâncias enojam-me porque consigo imaginar as famílias que estavam a sair do recinto do concerto, as crianças cujo sonho de ver o seu ídolo acabava de ser realizado. Tenho amigas cujas filhas ansiavam pelo concerto de Junho, em Lisboa, da mesma artista. Concerto esse que não vai acontecer. Ontem, numa noite que deveria ser de celebração centenas de famílias ficaram dilaceradas, perderam os seus. Hoje as minhas amigas terão de explicar às filhas menores por que motivo não vai haver concerto. Por que motivo a raiva de uns colide com a vontade de paz de outros.
Há dois meses, estava eu num concerto no Meo Arena e pensei para mim mesma: “se acontece alguma coisa é impossível sairmos daqui”. Conheço pessoas que viajam de avião quase semanalmente e tento afastar do pensamento as probabilidades de acontecer alguma coisa, porque estas já não são tão ridículas como há uns anos.
É exactamente assim que funciona o terrorismo. Espalhando medo, terror. Pondo-nos a olhar por cima do ombro, a evitar algumas coisas que faríamos com a maior das naturalidades. Fazendo-nos andar de metro correndo um risco enorme, obrigando à colocação de pilares de cimento nas comemorações do centenário de Fátima, para evitar um ataque através de camiões.
E tudo isto é tão triste, porque significa que mesmo nós dizendo que não temos medo, temos. E temos de educar os nossos filhos para uma realidade em que a guerra se faz de outra forma, com recurso a outros meios, em cidades e países em paz.
Temos de lhes ensinar a tolerância, o respeito, temos de os educar a conviver com a triste e dura realidade de que apesar de sermos bons haverá sempre quem seja mau e nos deseje mal simplesmente porque pensamos de forma diferente.
Há uns anos ponderava se faria sentido trazer filhos a um mundo cada vez pior, mas aí não venceu o terrorismo.
Porque o mundo pode lidar com novos desafios, mas é infinitamente melhor do que quando os meus bisavós cá estavam. E porquê? Porque o ser humano também faz e é capaz de fazer coisas fantásticas.
De amar ao próximo de uma forma que choca exactamente esses terroristas que se mantém à distância e enviam os outros em seu nome para se sacrificarem.
Somos mais e melhores.
Temos medo, sim, mas isso não nos fragiliza. Ajuda-nos a pensar em novas ferramentas. Ajuda-nos a pensar em como poderemos chegar ao dia em que o poder que importa é o do amor.
Um dia chegaremos lá.
Até lá, ensinemos as nossas crianças que o medo faz parte. A violência existe. Mas existe também o amor. A união. A fé num mundo melhor.
Diria que neste campo as contas estão saldadas.
imagem@weheartit
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Autora orgulhosa dos livros Não Tenhas Medo e Conta Comigo, uma parceria Up To Kids com a editora Máquina de Voar, ilustrados por aRita, e de tantas outras palavras escritas carregadas de amor!