Como ficar on quando tudo está off
O pequeno catita estava esparramado no chão. Rodeado de tudo e mais alguma coisa, estava a inventar mais uma das suas fabulosas máquinas.
Ele imagina máquinas para tudo. Já inventou uma máquina-come-tudo, para levar a comida à boca de forma a não cansar os braços. Uma maquineta-diz-diz que fala por nós quando não estamos para aí virados. E uma, que tem um lugar especial no meu coração, a maquineta-toma-lá-mais-um-fim-
Ele estava tão inventivamente concentrado na sua nova construção que ao receber um “Hora de dormir!” retribuiu em tom metálico e zangado “Nem penses. Não é nada hora de dormir.” Não era bem isso que eu queria ouvir. Era mais um imediato “Claro que sim, mamã!” Pois, mas é claro que isso não ia acontecer. Ainda mais com a rapidez que eu gostaria.
Voltei a referir que estava na hora de ir dormir e expliquei o quanto era importante para o nosso corpo descansar e dormir várias horas seguidas. Outra tacada do outro lado: “Não faz mal. Amanhã chego à escola várias horas depois.” Já referi que o pequeno catita prima pela capacidade de argumentação?
Após alguns segundos de silêncio, seguiu-se uma explosão de raiva acompanhada por peças voadoras. Como estava tudo dentro das normas de segurança europeias, assisti pacientemente. “Nunca mais vou construir nenhuma máquina. NUNCA MAIS!” gritou. À medida que as peças começavam a cair no chão, as lágrimas começavam a cair também. Baixei-me. Respirei fundo e abracei-o. “Chora. Chorar faz bem. Chora tudo o que precisares” sussurrei ao seu pequeno ouvido.
Alguns minutos mais tarde, sem mais nem menos, levantou-se e foi lavar os dentes.
“Hora da história!!!” gritou feliz da cama. Totalmente admirada com tal mudança repentina, fiquei momentaneamente colada ao chão da sala.
Espera aí. Mas ele não estava danado e preferia arrancar um dente a ir para a cama? Senti-me como se tivesse a fazer zapping. Carreguei no botão e imediatamente mudei de história.
Afinal o que aconteceu? O que mudou o chip dele?
Não foi certamente nenhuma maquineta-maravilha-vai-já-
O processo é igual para nós. Sempre que algo nos surpreende, aparece em forma de obstáculo, frustração, má notícia, revés ou simplesmente não acontece como gostaríamos, precisamos de nos dar tempo. Precisamos de passar pelo “Não, isto não está a acontecer”, pelo “Porque é que isto me aconteceu a MIM?”. Pela fase de tentar arranjar uma solução de meio termo “E se eu..” até estarmos preparados para receber a tristeza, que estava desde o início à espera para entrar.
Ai. Quando ela chega… Quando nos bate em cheio no peito e a aceitamos. Só aí, aceitamos o que aconteceu. É daqui que tudo cresce. Deste pequeno grande passo. Mas só cresce se o caminho da frustração à aceitação for percorrido, passo a passo, emoção a emoção.
Foi esse caminho que o pequeno catita teve tempo para percorrer. Tempo para a negação (“não são horas de dormir”) e para a raiva. Tempo para a negociação (“amanhã chego mais tarde à escola”) e para a tristeza. Todas essenciais no caminho da aceitação, no corpo e no coração.
A ordem porque passam por nós não interessa. Interessa deixá-las passar. Interessa dar-lhes tempo e, acima de tudo dar-nos tempo, para a seu tempo, estarmos preparados para dar o passo que precisamos.
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