Competição, pressão, influencers, youtubers e os nossos filhos
À medida que a minha filha vai crescendo, vou olhando o mundo com novos olhos, com preocupações e reflexões que, até ao momento, nem me tinham passado pela cabeça.
Acredito que todos queremos que os nossos filhos tenham boas referências. Venham elas de casa ou do ambiente familiar e das amizades criadas ao longo dos anos… mas a verdade é que, como sabemos, o “mundo” chega aos nossos filhos bombardeando-os com informações, imagens, modas e hábitos.
Foi sempre assim. Mas quando comecei a pensar um bocadinho sobre este assunto, fui-me apercebendo da pressão que existe sobre esta nova geração. Pressão essa que tendo sempre existido para as anteriores, está mais refinada.
Espera-se que esta seja a geração mais preparada em termos académicos. A mais empreendedora, a mais reivindicativa e lutadora.
Competição e pressão
A competição começa na barriga das mães, com comentários sobre o primeiro pontapé ter acontecido semanas antes na gravidez de uma em comparação com a amiga que partilha a notícia, e prolonga-se cá “fora” com o primeiro passo, a primeira palavra na língua materna, no domínio de palavras em língua estrangeira, no domínio da bicicleta ou na capacidade de subir as escadas do escorrega sozinho.
Na maior parte dos casos, a competição começa entre pais e é perpetuada pelos filhos sem que eles tenham grande escolha e sempre tentámos, cá em casa, ser uma excepção a esta regra e respeitar que todos somos diferentes, com diferentes ritmos e, acima de tudo, com a crença de que uma conquista mais tardia não retira o mérito a essa mesma conquista, nem faz da nossa filha melhor ou pior que os outros.
Dito isto, olhei também um bocadinho em volta e lembrei-me do que foi crescer sendo rapariga, tendo como referência as atrizes que apareciam na televisão e no cinema, as capas de revistas, etc. É uma pressão velada, de que nos apercebemos muito tarde e que marca a forma como vemos o nosso corpo e aquilo que achamos aceitável, desejável, digno de ser amado.
E na realidade, os nossos filhos têm hoje muito mais para onde olhar.
Se abrirmos as redes sociais – e hoje em dia a maior parte dos miúdos com mais de dez anos tem um telemóvel com acesso à internet – há centenas de influencers, youtubers, etc e a grande maioria vive uma vida de sonho. Tem um corpo de sonho. Veste marcas de sonho. Tem uma vida de quase luxo, mesmo tendo um trabalho exigente.
Não quero, de forma alguma, desmerecer ou criticar o trabalho que estas pessoas fazem, tem o seu valor e importância, mas como mãe quero estar atenta porque a imagem que chega do que é suposto ser e do que é suposto parecer cria uma grande pressão.
Naturalmente existem também os que advogam os chamados “corpos reais”, mas para mim todos os corpos são reais. E mais real ainda é a minha preocupação para que a minha filha se aceite no corpo que tem e não queria o da vizinha e não o ache melhor por ser mais claro, por ter pernas mais esguias, por usar sempre biquíni de forma impecável.
Mais uma vez, o trabalho é muito nosso, mas o resultado foge um bocadinho ao nosso controle. E por isso temos de estar atentos. Passar a mensagem correcta. Abstermo-nos de fazer comentários negativos sobre corpos, por exemplo, na presença e em conversa com as nossas crianças. Ensinar a aceitação do próprio e do do outro.
Explicar que nem tudo o que é publicado nas redes corresponde exactamente à realidade.
Valorizar mais a gentileza e as acções do que o corpo.
Incentivar objectivos nobres em vez da cobiça.
Procurar que exista uma preocupação maior com o ambiente, por exemplo, do que com a marca de sapatos que se compra.
Imitar o livro que alguém lê em vez de querer ter uma sala exactamente como a que ele tem.
Elogiar a diferença, quando ela existe em vez de a apontar como uma anomalia.
Ensinar o amor próprio e a importância da resiliência, mas ser capaz de apontar os erros que os nossos filhos cometem, porque eles existem.
Crescer nos dias de hoje, apesar das visíveis facilidades face a muitas das gerações anteriores, carrega muitos fardos (todos nós tivemos os nossos e haverá sempre alguns para carregar, eu sei). Mas também sei que se os partilharmos e não os criarmos desnecessariamente, o mundo será uma casa muito melhor.
É este o mundo que gostava que fosse o da minha filha e de todos os seus amigos de quem tanto gosto.
Se pudermos regar as suas raízes, que o façamos com mais amor do que cobrança.
Como sempre, começa em nós.
Vamos também nós regar as nossas fundações para que continuem a crescer flores nas falhas do cimento em vez de colocarmos mais cimento para que o chão seja o mais perfeito possível, mas em resultado também menos bonito.
Vamos a isso!
Autora orgulhosa dos livros Não Tenhas Medo e Conta Comigo, uma parceria Up To Kids com a editora Máquina de Voar, ilustrados por aRita, e de tantas outras palavras escritas carregadas de amor!