Cresci no Porto na década de 80

Ah carago, sou tripeira sim senhor!!!! E apesar de viver cá em baixo há mais de 20 anos, ter Cascais entranhado no meu coração para todo o sempre e cada vez mais amar Lisboa de paixão, o meu coração há de ser sempre tripeiro!!
E enganem-se quem acha que chamar-nos tripeiros é uma ofensa! É um orgulho! Uma coisa que não se explica, sente-se! Tal como os alfacinhas também devem sentir o mesmo. Eu não ia com a minha avó ao Chiado nem fazer compras para Campo de Ourique. Não brinquei no Jardim da Estrela nem fui lanchar à Versalhes. Mas comprava sapatos na Heidi na Senhora da Luz, ia ao Morgado comprar presentes de Natal e uma viagem até à baixa para ir ao Bazar Paris era um dos melhores presentes que me podiam dar! Ia ver filmes ao Pedro Cem e ao Nun’Alvares. A missa de Domingo era em Cristo Rei ou nas Carmelitas.
Comprava tigelinhas de mousse na Minhotinha (e fofinhos e quadrados de chocolate!) e apanhava o 78 para a escola. Comprava flores no Mercado da Foz e cigarros para a minha mãe no Ferreira. Tomava café na Juquinha e comia croissants na Doce Mar. E entrava na porta do lado para levar picas do Enf João.
Ao Domingo almoçávamos na Varanda do Sol e comíamos Natas do Céu à sobremesa. Brincávamos nas rochas da Praia da Luz enquanto os pais tomavam café e subi vezes sem conta a estátua do Homem do Leme. Comia crepes e gelados na La Copa e revelava as fotografias na loja ao lado no Centro Comercial da Foz. Nunca entrei no Castelo do Queijo mas ia ao Sá da Bandeira ver peças infantis. Construía espantalhos em Serralves com a escola e ia ao primeiro Continente de todos fazer compras com a minha mãe.
Pendurava a roupa em cruzetas e usava meias calças quando estava frio. Ao Sábado íamos buscar tripas à Cufra ou à Concha d’Ouro e comia lanches na Bacelar! O chantilly era da Quinta do Paço e trazíamos um eclair para o caminho.
A água do banho saía do cilindro e os ovos estrelados eram feitos na sertã! Chamávamos o picheleiro quando os canos entupiam e comíamos bijous. Para o arroz, a minha empregada fazia um estrugido e na sopa punha-se penca! Passei a minha infância de repas e tirava catotas do nariz. Usava um aguça para afiar os lápis e uma pasta pendurada nas costas. Quando larguei as fraldas, mijava no pote e deve ter sido nessa altura que fui para o Centrinho (em Nevogilde). E se brincava na terra e me sujava, ficava toda badalhoca!
Os azeiteiros usavam palitos no canto da boca e iam passear para a avenida ao Domingo. E quando jogava o Boavista, não se conseguia estacionar em minha casa. O Pedro Begonha usava T-shirt preta fosse Verão ou Inverno e o Daniel era um anão que andava sempre por ali.
O leiteiro, o peixeiro e o padeiro deixavam os sacos na porta de casa e a minha avó obrigava-me a dar um beijinho à senhora que vendia couves num carrinho de mão. (Ela tinha barba, 4 verrugas e não tinha dentes!!).
Os gunas andavam sempre pendurados no eléctrico e tínhamos de fugir deles quando nos atiravam pedras. Festejávamos o São João com alhos e martelos e em Agosto íamos à procissão do São Bartolomeu.
Íamos ao Augusto Leite comprar bicos de pato e ao Ténis comer filetes com salada russa. As iscas eram de bacalhau e os totós eram uns lorpas.
As empregadas tratavam-nos por “menina” dos 0 aos 88 anos e íamos à Brasília comprar roupa na Cenoura. (No Porto)
Amo Lisboa de paixão! Cada vez mais!!! E não! Não andei no Pedro Nunes nem ia às Amoreiras fazer compras.
Mas tenho muito orgulho em ter este sangue nortenho e murcão! Em dizer carago à boca cheia, em chamarem-me gaja sem ficar ofendida ou largar um foda-se quando me trilho numa gaveta. Ser do Fêquêpê é uma questão de religião e ser Tripeiro é um orgulho!!

Por Kiki do Familia 3 e 1/2

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24 thoughts on “Cresci no Porto na década de 80
  1. Sem dúvida! Obrigada pelo texto… é exatamente a minha infância 🙂
    Para mim ainda acrescentaria:
    – o Francisco Torrinha
    – o homem que vendia pirulitos cá em cima na rampa da praia de gondarém
    – o homem que vendia batatas na praia (“Olha a batatinha”!)
    – a dona Aldinha 🙂 que vendia bolas de berlin caseiras no Torrinha e na praia durante o verão
    – o “olhá a bibinha” das peixeiras da Rua da Senhora da Luz
    e finalmente aquela senhora que andava a pedir uma moedinha para o vício! Todos nós sabíamos que bastava dizer-lhe: “Olha que vou chamar a tua Irmã”! Diziamos isso e ela fugia a sete pés. Há uns anos atrás voltei a vê-la… continuava na mesma, com o lenço na cabeça atado por baixo do queixo…. na mesma, como se os anos e o vício não tivessem passado por ela 🙂

  2. Fui criada em Lisboa,nasci em Aveiro vivo no Porto há 25 anos,amo o Porto e gostei muito de tudo o que escreveu” carago” !!!

  3. Que maravilha de texto. Não vivo no Porto há 20 anos e de repente entrei na máquina do tempo diretamente ao lugar das grandes memórias. Os ícones e os lugares estão todos aí, pelo menos os mais importantes. Obrigado pela viagem!

  4. Vivi o mesmo. Que privilégio!
    Além da referencia ao Garcia da Orta do João Jervell acrescentava apenas o “olhá a bibinha” das peixeiras da Rua da Senhora da Luz!

    Parabéns!

  5. Pingback: Sou do Porto, carago! – Viagens da Helena
  6. è só recordações. Imagino que nos conhece-mos os cruzamo-nos toda uma infãncia.

    Adoro a parte de “ir a Baixa ao Bazar Paris” …. era realmente um sonho lá ir…

    Enfim como alguém comentou só falta o Garcia e o Torrinha.

    Enfim e no meu caso, falta que ao Domingo, quando o Porto jogava fora e o Salgueiros em casa, em vez das Antas ía-mos a paranhos ver a bola.

    boa leitura ou memórias 🙂

    /Eduardo.

  7. Identifico-me bastante! O titulo deveria ser “Cresci na Foz na década de 80”! É claramente o dia-a-dia de alguém que vive na Foz

    1. Realmente um bonito texto sobre a vida no Porto – boavista/foz, obrigada! Quanto ao comentário nos outros sítios a vida não era tão cor-de-rosa, discordo, eu cresci na baixa anos 80 Poderia contar várias histórias semelhantes com a baixa do Porto, e as ruas de Santa Catarina, D.João IV, Firmeza e Sá da Bandeira como cenário.

  8. É notório que este texto reviva, de um modo deslumbrante, a vida nessa altura e concordo com tudo. Quero, e se me permitem, fazer um reparo! Este texto relata bem a vida de quem nunca passou por dificuldades, porque se sairmos da zona da Boavista/Foz, e não precisamos de ir muito longe, concluímos que a vida não era assim tão cor de rosa como a descreve (atenção que não censuro, não temos culpa de nascer com muito ou com pouco). Porém, e isto é que é importante realçar, o sentimento de orgulho tripeiro, o prazer de ter crescido, com menos ou mais dificuldades, na cidade mais maravilhosa/genuína do país mantém-se. Bibó Porto Cara***!!!!

  9. Tudo muito bem, mas isto é o Porto queque. Basta falar em Garcia e está tudo dito. É o Porto “Foz”, ou seja, muito longe do verdadeiro. Tem o seu lugar, claro.

    1. Caro Hugo, nem tudo que diz respeito ao Garcia é “queque”. Eu por exemplo, identifico-me com algumas das coisas ditas, mas também comprei bombocas no Sr. António na Rua da Vilarinha; ia a pé para a escola mesmo ao lado do Bairro de Aldoar ainda sem casas para todos os moradores; ao domingo de manhã ia para o Ouro com o meu pai subir às árvores; para ir até Leça no Verão tinha que ligar aos meus amigos daqueles telefones pretos e se alguém se atrasasse, já não íamos todos juntos no 76; andava na escola a estudar, mas as tardes também eram lá passadas a jogar à bola; recordo-me dos lanches mistos da Ribeiro perto da Reitoria; de passar tardes a jogar MegaDrive na Philcolândia em frente ao Rivoli; e sim, andei no Garcia, ainda no domingo vi o Daniel no Bessa (não, não sou portista, e tenho muito orgulho em ser Boavistateiro!!) e fui comer uma Francesinha porque tal como a Kiki também sai do Porto, mas o Porto não sai de mim!

      1. eu vivi em Aldoar e São Mamede antes da Foz.

        Ainda construíam a igreija nova.quando viviamos em Aldoar e sim entre o bairro e a boavista havia muito descampado 😀

        As bombocas já são uma recordção que tenho de São Mamede de infesta…..

  10. Sem dúvida….. o 78 de dois pisos sempre… no Brasilia, o “Griffon´s”….no Itália o “Swing”….ou na foz o “industria”…. Nos cinemas podíamos acrescentar o “foco” que ficava no “Graham”, na Padaria Ribeiro preferia “os cacos”…. ou a “Tubitek” que era a discoteca do momento…Tomar o café na “Brasileira” não em chávena mas no copinho…. Quanto ao FCP é a nossa bandeira…sempre ! 🙂

  11. Hehe, isso mesmo. Também fui de 78 para o Garcia, anos a fio. Fiz tudo o que fez. E, aos sábados, ia buscar o jornal à tabacaria do Capa Negra.

  12. Sem duvida….e ser tripeiro é ser-se do FCP, o resto é treta pq quem sabe o que sofremos, como vivemos e o que passamos cá em cima sabe q é no FCP q vemos uma das nossas bandeiras e forças e umas das maiores alegrias que temos.
    Nascer no Porto mesmo na cidade e ser-se doutra religiao entao é so mais um paraquedista 🙂

  13. Parabéns pelo artigo, adorei o detalhe do Pedro Begonha e do Daniel Anão.
    Identifiquei-me com praticamente tudo, só faltava mesmo o Torrinha ou o Garcia de Orta, a LaCopa, as sêmeas da Padaria Ribeiro e tudo o que cria um sentimento de privilégio por ter estado “lá”.

  14. Vislumbres de infância! Excelente!
    Apenas um reparo, a Haity vai ser sempre Haity! Precisa de vir fazer umas compras ao norte 😉

  15. Quero deixar o meu sincero e grato agradecimento, por esta publicação da Amiga Kiki. Na verdade, corresponde , quase, á perfeição os TRIPEIROS ou algo mais que, lhe queiram chamar. Renovo meus Parabéns á Kiki e muitas Felicidades á mesma e v/página. Um Abraço.

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