
Crianças em Psicoterapia
Quando se trabalha com crianças, trabalhamos a brincar…. Utilizamos a brincadeira como meio de expressão afectiva. Brincamos de pintar, brincamos de faz de conta, brincamos de casinha, usamos jogos, bolas, raquetes, bonecos e o corpo. Tudo serve para estabelecermos relação com aquela criança, para observarmos, “avaliarmos” e pouco a pouco, semana a semana irmos entrando nesse mundo infinitamente maravilhoso que os caracteriza. Os seus sentimentos, as suas crenças e falsas crenças, a forma como compreendem e interiorizam as situações, as suas opiniões, as suas dores e as suas alegrias. No fundo brincamos de coisas sérias e é nesse brincar que eles se projectam e podemos aceder ao mundo inconsciente que navega dentro de cada um deles. Por vezes o mar está bravo, cheio correntes desorganizadas que fluem para a esquerda e para a direita sem encontrarem o caminho por onde correr, mas na superfície só conseguimos ver a espuma a borbulhar, como o sintoma desse turbilhão interno, mas sem conseguimos ver e identificar as correntes que o estão a provocar. É geralmente nesse momento que os pais procuram ajuda.
Na terapia, tudo se passa de forma natural e espontânea. É um espaço no qual criança e terapeuta devem estar presentes, entregues, mas também livres para aprenderem a identificar e nomear as suas emoções, tudo aquilo que o corpo sente, mas que por vezes ainda não tem nome. Crescemos juntos! Ao contrário do que se possa imaginar, aprendo imenso sobre mim própria com cada criança com a qual tenho o privilégio de estar. Aprendo sobre a Ana adulta, sobre a Ana criança, sobre os meus filhos, sobre o mundo, sobre a honestidade, simplicidade e espontaneidade do ser-humano… É um estar em dupla presença que me permite ver, ouvir e sentir os dois lados. Enquanto estou a escrever, relembro com muito carinho, uma menina de 6 anos, que um dia, enquanto me contava um episódio de conflito com uma colega da escola, relativamente ao qual eu ia tentando compreender o lado dela, mas também o lado da colega, me disse: “Olha Ana, eu aprendi a expressar os meus sentimentos, não tenho culpa que ela não o saiba fazer. Acho que então é melhor ela vir para aqui por que assim eu também já não consigo aguentar!” Rimo-nos as duas às gargalhadas com o comentário que ela de forma totalmente espontânea e honesta acabava de fazer.
É nesse brincar de forma presente, intuitiva e livre que em cada palavra, gesto, postura e brincadeira podemos ir ao encontro “dessas correntes”, do conflito que está a provocar os sintomas pelos quais procuraram terapia. Muitas vezes as próprias crianças não têm consciência do que se está a passar dentro de si próprias e o terapeuta tem que servir como “tradutor” dos seus sentimentos. É uma enorme responsabilidade explicar a uma criança que o que está por detrás da sua agressividade é a sua insegurança ou que o que está por detrás da sua hiperactividade é a tristeza e a necessidade de fuga dos seus sentimentos, mas é muito importante dar palavras aquilo que antes não tinha nome nem lugar. É apaziguador e fonte de crescimento.
É fundamental criar um espaço de acolhimento e confiança para que as crianças se possam expressar com toda a honestidade que lhes caracteriza mas que nós adultos nem sempre permitimos. Muitas vezes, para pouparmos os nosso filhos do sofrimento, como se isso fosse possível, acabamos por lhes negar informação e possibilidade de expressão que os deixa confusos e sem entendimento. Na confusão, tudo o que a nossa mente elabora é mais trágico, difícil e doloroso do que o que a realidade nos trás.
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Considero a psicoterapia como uma ferramenta fundamental no desenvolvimento pessoal, na qualidade de vida e de relação com os outros. A psicoterapia é para todos e não apenas para alguns.
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