
Cuidar de Quem Cuida dos Nossos Filhos
Cuidar de Quem Cuida dos Nossos Filhos
Dizemos frequentemente que as crianças mudaram, mas ainda que isso possa ser em parte verdade, na realidade fomos nós, adultos, que passámos a ver a infância com outros olhos. Fomos nós que, revendo-nos em criança e perspectivando o nosso futuro, passámos a desejar mais e melhor.
Desta transformação nasceu uma sede de conhecimento, uma necessidade de tornar consciente o que se fazia por instinto, a ambição de desvendar os “segredos” dos nossos filhos, e de dominar as estratégias para o “perfeito” desenvolvimento da criança.
No percurso, por vezes, esquecemos a melhor e maior aprendizagem das nossas próprias histórias de vida, que é o que todas as pessoas que cruzaram o nosso caminho nos deixaram.
O que é que nos marca mais na infância?
Ainda hoje me recordo daquela professora de substituição, que vi poucas vezes, mas cujos cabelos longos de cor cinza nunca vou esquecer, “só” porque me disse, num tom doce, o contrário do que sempre ouvira até ali. “Tens uma letra tão bonita”. Essas palavras nunca mais me deixaram, nem a doçura e a sabedoria com que foram ditas.
O que mais marca as nossas crianças não são os conhecimentos e o domínio de todas as suas etapas de desenvolvimento. O melhor que lhes podemos dar, são experiências emocionais gratificantes, saudáveis e equilibradas. E isso só se consegue através de relações de afecto.
No momento de pensarmos em quem está a cuidar das nossas crianças, é certo que se devem valorizar requisitos gerais, como gostar de crianças, ser paciente, ser responsável, ser criativo e ter os conhecimentos necessários para exercer a profissão. Mas o que é que faz que cada um de nós esteja disponível para dar respeito, carinho e atenção a outra pessoa? O que nos faz ter a capacidade de ouvir? Se, por um lado, existem as características inerentes à nossa personalidade, a verdade é que podemos ser dotados das melhores “qualidades”, mas não estarmos capazes de fazer uso delas.
Quem Cuida dos Nossos Filhos
Quem trabalha com crianças, trabalha com a relação, e a nossa capacidade de nos relacionarmos é afectada pelo nosso bem estar geral e a nossa saúde mental em particular.
Para que uma pessoa se possa dedicar e realizar um bom trabalho com crianças, é importante que tenha condições físicas e ambientais para isso. É importante que o número de crianças pelas quais é responsável, seja adequado. É preciso trabalhar em sintonia com as famílias (demasiadas vezes pais e professores agem como se tivessem interesses opostos). É preciso reconhecer e ver reconhecida a importância do seu trabalho.
Assim como em muitas outras profissões, quem trabalha com crianças tem que gerir na sua dimensão profissional as relações (tanto com colegas e chefias, como com as crianças e suas famílias), o desgaste inerente à própria actividade, factores de realização e/ou falta de reconhecimento e valorização do trabalho, factores da vida pessoal (saúde, finanças, conflitos familiares, etc.). No entanto, acresce a isto, um trabalho que envolve gestão de afectos, disponibilidade emocional e um agir (inevitavelmente influenciado pelo estado em que se encontra o cuidador) que resultam num maior ou menor bem estar das crianças.
Os professores, educadores e auxiliares.
É por isso que acredito que professores, educadores e auxiliares que amam, cuidam e respeitam as crianças, só o conseguem fazer se os respeitarmos, valorizarmos e cuidarmos. Professores, educadores e auxiliares que humilham, batem e por vezes até aterrorizam crianças, não é uma opção, e só acontece sob um olhar pouco atento (e cuidador) de todos nós.
Hoje, ultrapassámos a visão meramente funcional dos cuidados à criança, e não vivemos tranquilos apenas com o facto de um filho estar entregue a um adulto.
Faz sentido que sejamos mais exigentes na sua protecção (que é também a do nosso futuro). No entanto, querer mais, deve estar aliado a dar mais. Parece-me incoerente a crescente valorização da infância, com uma simultânea desvalorização da função dos “cuidadores de infâncias” (amas, auxiliares, educadores de infância, professores, e tantos outros).
É importante continuarmos a preocupar-nos com o desenvolvimento físico e cognitivo da criança, sim. Mas, fundamental, é não esquecer a importância de um desenvolvimento emocional saudável.
É por isso que cuidar das nossas crianças é, também, estar atento e cuidar de quem cuida dos nossos filhos.
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