
Desculpem, somos felizes
Desculpem, somos felizes
Li há dias esta frase:
Em 1970 a maioria das pessoas com t21 não sabiam ler nem escrever, não frequentavam a escola e viviam institucionalizadas sem qualquer perspectiva. Em 2019 as crianças e jovens com t21 frequentam a escola, aprendem a ler e a escrever. Têm amigos, trabalham, namoram e têm vidas praticamente autónomas. O que mudou? O cromossoma é o mesmo.
Nunca as condições foram tão propícias ao desenvolvimento das pessoas com t21. A evolução da medicina permite tratar os problemas de saúde. Terapeutas especializaram-se e sabem ajudar e apoiar as famílias, estimular e acompanhar as crianças e jovens. Os indivíduos com t21 nunca foram tão longe e superam-se a cada dia.
Apesar destas previsões positivas, nunca nasceram tão poucos bebés com t21 como atualmente. Se há duas décadas 1 em cada 600 bebés nascia com t21, hoje fala-se de 1 bebé em 1000 nascimentos. Tendência decrescente. Há países cuja taxa de nascimentos de bebés com t21 é já de zero nascimentos, tudo para bem de uma qualquer sociedade que andamos a construir.
No nosso país os pais podem decidir até às 24 semanas de gravidez se querem ou não o seu bebé com t21 (Lei nº 16/2007 de 17 de Abril), o que tem contribuído para um recuo nos nascimentos.
A questão que aqui se coloca não é a legalidade, mas se aquilo que está a acontecer é bom, do ponto de vista ético.
A sociedade estará a tornar-se melhor porque há cada vez menos indivíduos com t21?
Como justificamos o extermínio consentido de um grupo de pessoas, sabendo que aqueles que lidam com eles são mais felizes por isso?
Nesta incessante procura de uma sociedade perfeita, temos tendência a esquecer que, aquilo que nos é permitido legalmente não tem que ser uma situação boa e eticamente aceitável.
Quando um Ministro da saúde de um país europeu diz publicamente que se amanhã não existirem pessoas com t21, temos que o aceitar – sabemos que algo está mal no caminho pelo qual enveredamos.
Com uma taxa de zero nascimentos de crianças com t21 não estamos a contribuir para um mundo melhor e mais humano. Estamos a enveredar pelo caminho perigoso da seleção genética.
Não posso aceitar. Até porque por trás destas decisões está uma certa hipocrisia e uma pseudo-moral.
Afinal, quais os argumentos apresentados para a IVG de um bebé com t21?
Ouvimos muitas vezes referir o medo, a vergonha, o não ser capaz, o não estar preparado, os custos. Ora, muitas destes argumentos não se referem ao bebé mas sempre e apenas ao eu. Ou se quer ter um filho ou não. Se quero, o nosso filho poderá dar trabalho.
Deixemo-nos de hipocrisias, somos egoístas e empacotamos este sentimento em justificações falsas de incompatibilidade com vida, desgraça, sofrimento.
Lamento informar, nada disto vem com a t21. Olhamos mas não queremos ver.
Não foi por acaso que mães francesas que interromperam a gravidez com bebés com t21 se sentiram incomodadas com o filme “Dear Future Mom” . A felicidade, que o video mostra, ofendia-as. E a sociedade francesa concordou. Se tens t21 ao menos sê infeliz, para que eu possa justificar a minha decisão. Não. Não posso aceitar pacificamente que pessoas como a minha filha não tenham direito à vida.
Lamento informar, estamos bem, felizes e recomendamo-nos!
Nota: este texto não é uma discussão ao aborto, apenas e somente à pratica de seleção de bebés que são desejados e abortados por terem t21.
Marcelina Souschek, em Pais 21
A Associação Pais21 – Down Portugal é uma associação de pessoas com trissomia 21, famílias e sociedade civil que desde 2008 promove a informação e a partilha de novidades relativas à trissomia 21. A nossa associação pretende mudar o modo como a sociedade vê as pessoas com t21, dar um apoio individualizado aos pais, dar informação atualizada sobre as suas capacidades reais e apoio às novas famílias.
Contamos com mais de uma centena de especialistas que produzem conteúdos na área da saúde, comportamento, educação, alimentação, parentalidade e muito mais. Acreditamos em Pais reais, com filhos reais.
Adorei Marcelina!!!
??????
<3