Só hoje tive vontade de escrever sobre isto. Talvez porque só há poucos dias o interiorizei e, por fim, aceitei. Em todas as grandes mudanças da vida existe um período de adaptação. Acho que me adapto bem a tudo e até me considero uma pessoa positiva, mas não deixo de ser emocional… bastante emocional por sinal!
Foi há 9 dias que a vida me desacelerou. Tudo indica que andava em excesso de velocidade, excesso de tudo! Numa dessas “corridas”, a descer as escadas, torci completamente o pé e fui levada a atirar-me pelas escadas abaixo. Entrei no hospital a chorar como uma criança e só quando me vi no meio de vários idosos com respirações horríveis, e a levar oxigénio e afins, é que sosseguei e me resumi à minha insignificância. Uma entorse. Claro que mais tarde vim a descobrir que era muito mais do que isso. Contusão óssea com rotura de ligamentos. Para já, repouso e gelo, depois logo se vê. Agora, que já não dói, posso lembrar-me de pormenores engraçados. Como aquele em que na chegada a casa o meu marido aproxima o carro da porta do prédio, me deixa à porta do elevador e, quando lhe digo que me estou a sentir mal – ainda a morrer de dores -, ele arranca a correr para ir estacionar o carro. Não fosse o carro fugir!
Lá no fundo o meu corpo resolveu reagir e até tive vontade de rir, agarrei no gelo que tinha para pôr no pé e pus na testa. Resultou! No dia da ressonância, ainda pouco habituada às muletas e à impossibilidade de pôr o pé no chão, não aceitei a ajuda de uma auxiliar para calçar a meia e o sapato (agora em singular), depois do exame. Vi ali uma daquelas macas dos bombeiros, pus a mão em cima dos pés da maca e fiz pressão para me içar. A maca levantou em cavalo. Desequilibrei-me e acabei abraçada à maca e com o pé “mau” no chão. Todo aquele aparato, as muletas espalhadas no chão, o meu sapato que voou para longe e, eu, ali agarrada à maca! A vontade de rir superou qualquer dor. Ninguém se riu… todos estavam seriamente preocupados comigo. Eu controlei-me para não perder o ar idóneo. Que vergonha!
Noutra situação fui a casa de uma amiga e quando cheguei vejo mega escadaria para treinar com as muletas. Subi mal e porcamente e, à saída, desci de rabo passando por cima do sítio onde os cães dela gostam de fazer xixi. Sim, nas escadas! Não vou comentar o resto… blharghhhh! Com o correr dos dias vou-me apercebendo da importância do meu trabalho aqui por casa. Ainda bem que tive uma filha! Ela percebe, é prática e despachadona. Eles? Eles bem que precisavam “disto” para terem um curso intensivo. Só me leva a crer ainda mais que nada acontece por acaso. Estive TRÊS dias a tentar fazer compras no continente online. Por fim, depois de vários telefonemas porque o site está com um problema qualquer, lá consegui! Fiz a encomenda para que alguém a pudesse levantar, sempre se poupa algum. Depois liguei para o talho e fiz a encomenda da carne. A fruta e os legumes ficaram tratados pela minha irmã mais nova. Sorte a minha que tenho uns irmãos tão queridos! 18h e o meu marido arranca para ir levantar todas as compras a dois sítios diferentes.
1º telefonema- “Em que nome ficou a encomenda?” e ainda, “Qual a encomenda?”. Entretanto tive a visita amorosa do meu querido Pai que me traz 2 pastéis de nata ainda quentinhos. Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
2º Telefonema – “Inês, enganaste-te e a encomenda está para amanhã. Cancelei e vou fazer as compras todas agora e seguir-me pela lista de compras que vinha levantar”. MEA CULPA! Que MEDO! Ele nas compras vem com tudo mal e de preferência o mais barato disponível… Mais 1 minuto de conversa com o meu Pai…
3º Telefonema – “Inês, a lista não diz as marcas das coisas…” … Foram 30 minutos ao telefone. Adorei as perguntas que fez aos repositores que já deviam andar a falar pelos intercomunicadores, “Fujam do senhor alto com a camisola azul escura que faz perguntas a todos os trabalhadores continente que encontra pela frente!”. O meu Pai, entretanto, desistiu e foi-se embora. Mas deixou os pastéis de nata! Ufa! Quando chegou a casa, 2 horas depois, a primeira frase que disse foi “Estou de rastos!”.
Deu-me vontade de rir porque faço isso SEMPRE e porque percebi que estava genuinamente de rastos.
Ilações de uma Mãe lesionada:
- PONTOS POSITIVOS DESTA LESÃO:
- Descobri o que é ter de parar, aceitar ajuda e a falta que faço quando não faço (nada);
- Eles estão a ter uma formação caseira. Um “how to” forçado que lhes vai valer para a vida. Consequente, vou utilizar esta formação para passarem a fazer estes TPC’s SEMPRE. Isto porque acabei por perceber que discordo completamente com a minha indispensabilidade;
- Vou ter mais calma. Sair desta corrida constante e organizar melhor o meu tempo;
- Fico com tempo para acabar de escrever o próximo projecto literário.
- PONTOS NEGATIVOS:
- Tão cedo não volto às minhas corridas. O que até é um bocado contraditório, eheheheh;
- Não posso andar na “boa-vai-ela!” como adoro fazer! Adoro rua. Adoro ver pessoas, amo passear;
- Vou ter de fazer uma dieta rigorosa que, entretanto, já comecei. Isto até poderia estar nos pontos positivos. Os resultados serão positivos mas o caminho é tramado. Só nesta brincadeira perdi 3 kgs e descobri que tenho mais uns para perder. Até o meu marido já está a perder peso… ahahahahahah!;
- Detesto sentir-me dependente dos outros, por isso é que, aos 18 anos, tive logo a carta de condução!
- MAIOR LIÇÃO DE TODAS?
Não te tornes indispensável!!!!!!!!!!!! - SEGUNDA LIÇÃO?
Desacelera!!!!!!!!!!! - TERCEIRA LIÇÃO?
Às vezes até sabe bem parar, olhar e escutar - AGRADECIMENTOS
Aos meus irmãos pelo apoio e boleias, aos meus pais pela disponibilidade e fé; aos meus amigos por todos os truques, telefonemas e distracções; À Kadita pela disponibilidade e amizade a que já nos habituou; À Patricia pelo truque da cadeira de escritório com rodas, passeio-me pela casa como se andasse de skate mas com o joelho apoiado; Ao pessoal aqui da casa que, apesar das limitações, têm sido bons alunos e muito pacientes comigo!
imagem@kickitlikemom
Inês de Santar é a segunda de seis irmãos. Em 2009 começou a escrever o seu primeiro romance e, em 2012, revela publicamente o seu gosto pela escrita, com a abertura da página Inês de Santar.
Como pais e educadores, haverá alguma forma de andarmos um passo à frente dos nossos filhos? Será isso necessário? Como fazê-lo?