Do Normal ao Patológico: como olhar para o comportamento do seu filho
O desenvolvimento infantil não é linear nem contínuo, apresenta movimentos regressivos, surtos evolutivos e pausas. Neste processo nem sempre os ritmos de desenvolvimento e o tipo de comportamento de cada criança é o esperado pelos seus pais, cuidadores e educadores.
A capacidade de uma criança dar uma resposta comportamental adequada é geralmente posta à prova na ausência da satisfação imediata dos seus desejos ou quando é necessária uma regulação emocional face a situações de frustração, cansaço, sono, fome ou mesmo de desafio, traduzidas muitas vezes em comportamentos desadequados e até descontrolados que testam a paciência, dedicação e cansaço de todos.
A adequação na resposta comportamental de cada criança vai depender do seu nível de maturidade emocional, traduzido muitas vezes na capacidade de comunicar as suas emoções através de palavras mais do que em gestos, da maturação do sistema nervoso manifesta na capacidade de responder adequadamente ao controlo dos impulsos e das características da sua personalidade.
No campo da Psicologia podemos olhar as questões comportamentais no campo da “normalidade” como:
– Normal enquanto saúde e não doença, considerando que o comportamento não compromete física e psicologicamente a saúde da criança (pôr-se em risco ou colocar outros em risco, consumo e dependência de substâncias, entre muitos outros). Neste campo incluímos ainda os sintomas psicossomáticos consequentes de uma regulação emocional desadequada que a criança faz das pressões, exigências, desafios e mudanças no seu dia-a-dia. Uma criança que internalize muita ansiedade poderá apresentar várias queixas como dores de barriga, cabeça ou mesmo dificuldades ao nível do sono. O “silêncio” dos órgãos é muitas vezes um bom preditor de “normalidade” nas crianças.
– Normal enquanto estatística, tendo em conta o que é comum acontecer em cada fase do desenvolvimento. Muitas questões comportamentais relatadas por pais estão intimamente interligadas com fases de transição como acontece na infância, pelos 2-3 anos ou na adolescência, períodos de teste das suas capacidades, regulação de emoções e frustrações, teste de limites e exercícios de independência e autonomia. Dentro deste espectro podemos incluir as famosas birras e comportamentos desafiadores e irreverentes ou mesmo sentimentos mais exagerados e pensamentos mais radicais.
– Normal enquanto funcional, mantendo um comportamento adequado ao funcionamento na sociedade em que se insere e no que é esperado de si de acordo com os parâmetros estabelecidos pela mesma: cumprir um currículo escolar e desempenhar funções específicas na sua comunidade, mantendo comportamentos adequados no relacionamento interpessoal e nas atividades sociais. Uma criança com perturbações específicas do desenvolvimento e/ou alguma deficiência (perturbação do espectro do autismo, síndrome de Down, dificuldades específicas de aprendizagem, deficiência física, auditiva, visual ou mesmo motora, entre muitas outras) poderá ver assim comprometida a sua aceitação ou integração pelo comportamento que apresenta. Por muito que a inclusão seja já uma recente realidade para alguns temos ainda um longo caminho a percorrer neste campo.
– Normal enquanto social, referindo-se aos comportamentos socialmente aceites e tolerados pelos outros. A norma social define e tolera alguns comportamentos consoante a sua frequência, nível e a idade em que a criança/jovem o pratica. Brincadeiras de lutas, destruição de materiais, roubar pequenos objetos ou alimentos, entre outros, são comuns quando se restringem a um período de desenvolvimento da infância ou ao ajustamento de limites da adolescência. Apresentam-se como preocupantes comportamentos com um padrão repetitivo e persistente no desprezo pelos direitos dos outros e pelas regras de convivência social. Nestes incluímos comportamentos recorrentes de agressão a pessoas e animais, destruição de propriedade, roubo ou abuso de confiança ou violação grave de regras.
A fronteira entre normal e patológico é muito ténue porque num momento ou outro, todas as crianças mentem, tiram coisas que pertencem aos outros, agridem, gritam ou desobedecem. A diferença entre estes comportamentos e o que os psicólogos consideram como um problema de comportamento está na gravidade dos comportamentos, na duração, na frequência, no aparecimento dos mesmos em mais do que um contexto e na sua persistência através do tempo.
Há elementos a ter em conta nas crianças com perturbações nos seus comportamentos uma vez que estas apresentam de forma mais intensa, desmedida, generalizada e duradora comportamentos como: birras frequentes, amuos sucessivos, discussões constantes sem regulação dos afetos, constante questionamento das regras e recusa no seu cumprimento (“porquê?”, “não quero por sim”), tentativas deliberadas de provocação, culpabilização do outro, raiva e ressentimentos frequentes, linguagem deliberadamente má e agressiva e atitudes maldosas e vingativas. A indiferenciação do alvo e a ausência de constrangimento, vergonha, culpabilidade e falta de empatia são também sinais de alerta.
Nestes últimos casos, a avaliação psicológica e o acompanhamento psicoterapêutico assumem um papel fundamental para tranquilizar e ou dar esperança de um futuro mais feliz e psicologicamente ajustado para estas crianças e jovens.
Por Catarina Amador, Psicóloga Educacional da Horas de Sonho, apoio à criança e à família, crl
A Horas de Sonho é um Negócio Social Sustentável (cooperativa de solidariedade social), que engloba diversos serviços de apoio à criança e à família, adequados aos diversos ciclos das suas vidas.