
Sim, eu sou essa mãe horrível
Sim, eu sou essa mãe horrível
Sou a mãe horrível que só entra no carro quando vos vê entrar na escola.
A que pergunta sempre que entram no carro: “têm o cinto?”
Que diz coisas como “quem manda sou eu”, “porque eu disse”, “eu que vos volte a chamar”, “vou contar até 3”.
Sou a mãe horrível que estabelece horários de uso de tecnologia e fá-los cumprir.
A que não vos deixa ir para a água antes de colocar protetor solar.
Que vos pergunta sempre se levam o telemóvel, o cartão da escola o dinheiro das refeições, a flauta ou o saco de Educação Física.
Eu sou a mãe horrível que vos obriga a vir comigo para todo o lado porque não podem estar dentro de casa, sempre, para sempre.
A mãe horrível que vos leva a repartições de serviços públicos para que possam aprender coisas como tirar tickets, esperar, desesperar, expor uma situação, lidar com burocracias.
A que quer fazer férias com e sem vocês.
Que quer ir ao estrangeiro e aos concertos sem vocês porque vocês não querem ir.
Sou a mãe horrível que depois se sente horrivelmente culpada por fazer planos que não vos incluem.
A mãe que morre de medo que aconteça alguma coisa quando está longe de vocês.
Que já sente saudades vossas quando ficam algumas horas com os avós.
Eu sou a mãe horrível que se enerva e manda uns berros e diz coisas como “desapareçam da minha vista”.
A que vos chama a atenção quando estão a portar-se mal e não vos admite faltas de educação.
Sou a mãe que vos obriga a escrever resumos para as disciplinas de história e de ciências.
A que arranjou uma hora extra nos nossos horários loucos para estudarmos um pouco de matemática.
Sou a mãe horrível que vos enche o estojo de canetas pindéricas multicoloridas.
A que vos veste de igual. E diferente e de igual mas com cores diferentes porque vocês e eu gostamos.
Que vos diz “levem o casaco porque está vento/fresco”.
Eu sou a mãe horrível que insiste em dar-vos as vacinas, as vitaminas, levar-vos às consultas e explicar-vos como todas estas coisas são necessárias.
A mãe que vos leva para as minhas aulas na academia quando não querem ficar em casa ou não temos os avós para ajudar.
A que insiste em que usem o gel para o acne porque as borbulhas já começam a aparecer.
A mãe horrível que vos preparou intensivamente para determinadas fases da adolescência.
Sou a mãe horrível que vos deixa ver as séries de comédia da Fox Comedy.
A mãe que vos fala incessantemente do Harry Potter ou do Senhor dos Anéis ou do Indiana Jones mesmo quando vocês não querem saber disso para nada.
A que daria anos de vida para perceber como funcionam os vossos cérebros ou poder trocar de lugar convosco e evitar que o autismo não vos roube mais nada.
Eu sou a mãe horrível que assume que tem pouca paciência para mariquices no boné.
A mãe que está atenta a tudo e vos protege até da vossa própria sombra se assim tiver de ser.
Que, às vezes, já não vos consegue ouvir ao fim de um dia particularmente difícil e cansativo mas não resiste a ver-vos dormir.
Sou a mãe horrível que vai sempre aconchegar-vos e senti-vos respirar antes de se deitar.
A mãe que vos chaga a cabeça se vocês pisam o risco.
A que vos vai dando corda para que um dia não precisem de mim.
Eu sou a mãe horrível que, às vezes, pensa como seria a vida sem vocês e sente imediatamente um aperto no coração.
Sou a mãe que precisa de descanso e de dormir e de relaxar e de ver TV e de ler e de ter apenas uns minutos sozinha.
A que consegue atingir velocidades incríveis a caminho da escola quando lhe ligam da escola por vossa causa.
Sou a mãe horrível que vos ensina a rir dos vossos defeitos e falhas.
A que vos diz que eu devia ser como as aquelas mães que nunca têm chatices e despejam os filhos numa escola par alguém cuidar deles quando vocês estão particularmente inspiradas para o disparate e a agitação e a parvoíce.
Sou a mãe que se arrepende de ter uma boca destravada.
Sou a mãe horrível que tem um péssimo acordar e passou essa herança para uma de vocês.
Sou a mãe que vos ama tanto tanto tanto que chega a doer.
A mãe horrível que não fazia ideia do que era ser mãe. A que tem de aprender a sê-lo, todos os dias, um bocadinho.
No fundo, obrigada por ser a vossa mãe.
Mesmo, assim, horrível.
O esforço de manter uma vida normal em tempos difíceis, a vários níveis… Em suma, uma aventura vivida a 4.