
Existir para além dos filhos
“Pensa nos teus filhos.” Quem nunca ouviu esta frase quando diz um ai?
Tenho mau humor pela manhã (e muitas vezes o dia todo), discuto sempre com o despertador e custa-me horrores não ceder à preguiça e sair da cama. Esqueço-me muitas vezes de tomar a medicação para a tiroide e quando vou a sair de casa volto atrás para meter perfume ou para ver se estou penteada. Tenho dezenas de cabelos brancos e a tinta para os pintar fica semanas à espera de energia para o fazer. Faço planos para cortar o cabelo ou arranjar as unhas e só o faço realmente em ocasiões especiais. É a minha filha que muitas vezes me diz que gosta dos meus pelos das pernas e com isso me lembra que é melhor fazer a depilação. Vou-me repetir: durmo mal há mais de dois anos. Faço o caminho de casa para o trabalho em piloto automático e dou por mim a dormir em pé no metro. Sinto-me horrivelmente desmotivada no meu emprego e pico o ponto com grande sacrifício. Há dias em que só queria que os miúdos tomassem banho, jantassem e fossem para a cama sozinhos, para eu poder enfiar a cabeça na areia como uma avestruz.
Não me recordo da última vez que peguei na máquina e saí para fotografar. Li apenas um livro este ano, o que deve ter sido mais que no ano passado e não faço ideia de que séries são essas de que todos falam. Não há dia em que não pense que depois de os deitar me vou sentar a escrever e quase todos os dias adormeço no sofá sem o fazer. Sinto-me muitas vezes cansada, esgotada, no limite. Também faço birras e tenho estados de alma. Sou impaciente, resmungo e detesto pessoas. Tenho medos. E são tantos. Desde ficar doente a andar de avião. Tenho desejos por realizar e às vezes os meus desejos passam simplesmente por dormir. Quando atravesso o rio e olho a minha outra margem sinto sempre saudades da minha mãe e dos meus irmãos. Às vezes preciso do colo da minha mãe. Também tenho saudades do meu marido e vejo-o todos os dias. Sinto falta dos nossos jantares demorados, das conversas pela noite fora, do sexo a qualquer hora.
Ser mãe é a mais incrível das viagens, com todas as suas aventuras e desventuras, dá-nos força para lá do imaginável. O mais difícil é não nos esquecermos de existir para além dos filhos, por isso quando alguém diz “pensa nos teus filhos”, devia antes dizer “pensa em ti”.
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Tenho nos meus filhos e no mundo depois dos filhos uma enorme fonte de inspiração e o blogue nasceu da necessidade de escrever sobre o lado menos fofinho da maternidade.