Experiências digitais na Adolescência: “like” / “dislike?
As nossas vidas foram irrevogavelmente alteradas com o aparecimento da Internet, mas para os adolescentes da atualidade (que já nasceram online) a realidade é praticamente digital. Não é estranho usar o telefone ou ipad para acalmar um bebé que chora, não é estranho ver crianças de 2 ou 3 anos agarradas a smartphones, não é estranho oferecer o primeiro telefone a uma criança de 10 anos… não é estranho ver um adolescente mergulhado em aplicações e redes sociais.
Para os adolescentes do século XXI “a vida” acontece nas redes sociais! E por isso ou conhecem bem as suas regras e normas de funcionamento… ou ficam de fora! Façamos então uma visita de estudo pelas redes sociais mais populares entre os jovens.
O Instagram permite a partilha de fotos e aplicação de filtros digitais, bem como compartilhá-los com outras redes sociais, como o Facebook, Twitter ou Tumblr, por exemplo. Quando se publica uma fotografia no Instagram, o objetivo é provocar reações na plateia: gostos, comentários, emojis… Um adolescente que acompanhei em consulta contou-me que ele e os seus amigos competiam entre si pelo maior número de seguidores e reações nas suas postagens. Talvez por isso, a grande maioria dos adolescentes com 16 anos tem mais de 1000 seguidores na sua conta e muitos deles nem sequer conhece (isto acontece mesmo em contas privadas). Muitos destes ‘posts’ chegam a concentrar 300 gostos, o que significa a aprovação de uma grande fatia dos seus seguidores. Outras fotos são publicadas em segundas contas (com nomes diferentes), para que não fiquem associados a si comportamentos como o consumo de álcool, drogas… ou presença em determinados sítios. Online é possível construir o perfil que se deseja.
Depois, sempre que um amigo publica uma fotografia de si, existe uma ‘obrigação social’ de gostar e essa obrigação é tanto maior, quanto a proximidade desse mesmo amigo. Uma opção segura, sobretudo para a selfie de um amigo é o emoji com corações ou elogios diretos como “que lind@”! Não é necessário muito mais do que isso para carregar as baterias de auto-estima de quem a postou. Sim, baterias que ‘carregam’ quando vêem os outros confirmar que são bonitos, admirados, seguidos, foco de atenção e, por isso, aprovados pelos outro; ou baterias que ‘descarregam’ quando este cenário não acontece.
Mais do que uma moda, a exibição contínua de auto-retratos (ou outras fotografias pessoais) pode denunciar tanto excesso… como falta de amor próprio! A linha que separa uma realidade da outra está (de uma forma simples) nas sensações e/ou expectativas que o usuário tem aquando da publicação: uns são vistos como exibicionistas, outros como carentes de afirmação e aprovação pelo grupo… ambos podem ser tanto criticados pelos pares, como admirados ao jeito de celebridades! É por isto que a adolescência é uma fase tão exigente!
Mas outra parte da realidade escondida nas fotografias que se publicam, são os comentários que se fazem. Que tipo de relações sociais estamos a construir na rede? Verdade que muito do que aqui lemos é transversal a adultos, mas quando pensamos em adolescentes a grande diferença consiste no facto de estarem em pleno processo de formação. Sabemos, por exemplo, que algo tão simples como a utilização de abreviaturas nas mensagens tem consequências no processamento cerebral e na linguagem.
Quando vemos adolescentes comunicarem grande parte do tempo em chat, jogarem online, namorarem através de aplicações, conviverem em grupos virtuais… quando vemos adolescentes constantemente atrás de um ecrã será pertinente questionar quais as consequências ao nível das competências emocionais e sociais? Dificuldade na expressão e leitura das emoções nos outros, falta de empatia, maior agressividade… Já em 2012, um estudo publicado pela Universidade de Coimbra alertava para uma percentagem significativa de cyberbullying nas camadas jovens através de SMS e redes sociais, mas sobretudo para a elevadíssima percentagem de jovens que admitiam ter presenciado casos de agressividade e humilhação pública na rede.
Instagram, Snapchat, Pokémon Go-Pro, chat’s de jogos online… há um mundo de interação adolescente que gera trilhões a nível mundial e muito contribui para esta falência socioemocional das futuras gerações. A comunicação mudou: antigamente, os adolescentes precisavam de conversar ‘na rua’ ou por telefone com os seus amigos. Hoje em dia, os adolescentes comunicam de forma vaga para uma legião de seguidores e desconhecidos e por esta razão é fundamental cuidar da imagem na net. Alguns adolescentes chegam mesmo a apagar posts que não atingem um número mínimo de gostos. O tempo de espera para chegar a 40 gostos, por exemplo, é de cerca de 2h… a partir daqui o post é apagado ou guardado para ser novamente publicado em melhor hora (normalmente, após o horário escolar). As selfies são ótimas oportunidades para mostrar uma roupa gira, um acessório novo, uma comida de fazer água na boca, um local diferente ou uma atividade interessante. Depois espera-se a reação dos seguidores, que é bem diferente se vem de um usuário masculino ou feminino, através de um sistema de comunicação emoji bastante desenvolvido! São mesmo muitos os adolescentes escravizados pela imagem perfeita, como principal impactante no bem-estar emocional e qualidade de vida.
O Snapchat é outra plataforma de publicação de fotos e vídeos, mas com a particularidade das postagens desaparecerem 24h depois. Isso diminui significativamente a pressão sobre todos (os que publicam e os que são alvo de publicação), mas também justifica as muitas horas que os adolescentes dispensam diariamente ao seu telefone, a produzir material novo para a web (excepto facebook que, para os adolescentes, é um currículo público, logo um aborrecimento atualizar) e a tentar gerar conversas em chat, muitas vezes sem a intenção de obter uma conexão real posteriormente. O que não é surpreendente, porque em chat, uma conversa que não gere interesse rápido pode terminar sem qualquer explicação, o que em conversas ao vivo será mais difícil de acontecer. Estamos mergulhados na cultura do rápido… do “fast relationship”.
Os adolescentes estão em constante mudança e a melhor forma de os conhecer ainda é interagindo com eles, observá-los com atenção, questioná-los sobre gostos, interesses, sentidos… Para os adolescentes watsapps, snaps e chamadas de vídeo são a vida real… Contudo, a capacidade de usar a tecnologia de forma segura, aproveitando todos os seus benefícios depende em grande parte da relação que tem com os seus filhos!
Nunca tivemos uma geração tão “social” e, simultaneamente, tão carente de pessoas.