
Falhar é para fracos, o importante é vencer. Competir é a palavra dos pais.
Falhar é para fracos, o importante é vencer. Competir é a palavra dos pais.
“No mundo hipercompetitivo em que vivemos não há espaço para perdedores!”
Este é o “chavão” que tem vindo, inconscientemente, a atormentar a cabeça dos pais, educadores e treinadores ao longo dos tempos. Cada vez mais nos deparamos com comportamentos inusitados de adultos perante as suas derrotas. Que exemplo estamos a dar às nossas crianças?
Vivemos num mundo onde as frustrações afectivas são desde cedo mascaradas pelos bens materiais – recompensas de pais que estão no mercado de trabalho muitas vezes preocupados demais em “vencer na vida” e sem tempo (e por vezes paciência) para dar amor e brincarem com os filhos.
Onde os pais começam a projectar o futuro dos filhos, muitas vezes antes das crianças nascerem.
Pretendem que sejam fortes e lutadores, e ambicionam que tenham sucesso na vida. Que sejam uns vencedores!
Inscrevemos os nossos filhos no inglês, nas artes marciais, na natação, no mandarim, na música para bebés, e por aí fora. Tudo isto porque acreditamos que quanto mais os estimularmos mais se desenvolvem? Ou porque no fundo estamos inconscientemente a prepara-los para um mundo cada vez mais competitivo e pouco nos importa se já têm maturidade emocional ou não para lidar com uma agenda tão preenchida?
Assim, vamos educando crianças que cada vez têm menos tempo para brincar. Desde que nascem, são jogos didácticos, desportos, treinos, competição! Queremos criar verdadeiros Puro-sangue.
Começamos, desde cedo, a “treinar” os nossos filhos através de uma educação baseada em castigos e recompensas, para terem sucesso na vida (seja isso o que for!).
Reforçamos os comportamentos positivos num quadro de smiles/medalhas, ou até com brinquedos, e castigamos sempre não se comportam de acordo com os padrões que definimos ou que apresentam comportamentos que consideramos incorrectos.
Através das nossas atitudes e do nosso exemplo estamos constantemente a transmitir aos nossos filhos que só terão valor e só serão amados se forem os melhores e atingirem as metas e objetivos que NÓS estipulámos.
Falhar é para fracos, o importante é vencer.
Nas escolas, o sistema de ensino segue o mesmo princípio: avalia todos os alunos segundo o mesmo padrão e não valoriza a resposta individual considerando as singularidades da aprendizagem de cada criança.
Somos todos tratados como números e no entanto queremos todos ser o número 10. E aqueles que pensam fora da caixa e tentam marcar a diferença são postos à margem, quer se trate de um artista de renome, um escritor ou um médico.
O americano Alfie Kohn, especialista em educação, critica amplamente este modelo de educação baseado no castigo e recompensa. Defende que os pais devem preocupar-se menos em arranjar estratégias para que os filhos ajam como os pais querem, e mais a procurar formas de perceber o que os filhos precisam e como lhes podem fornecer as ferramentas para que alcancem os seus objectivos.
Segundo Kohn, a visão de que somos pais permissivos e vivemos numa sociedade centrada nas crianças é errada. Defende que as crianças se tornam frustradas porque regra geral, o seu ponto de vista não é valorizado. Muitos pais destratam os filhos, simplesmente porque lhes exigem mais do que estão preparados para alcançar. E acreditam que se forem mais rígidos, obterão uma resposta mais imediata dos filhos.
As crianças não precisam de pais mais exigentes, mas sim de pais que passem mais tempo com elas, que as tratem com respeito e as orientem.
Kohn defende uma educação menos centrada em estratégias que façam as crianças agir como queremos a curto prazo. “Se não comeres sopa, não comes sobremesa.” “Se tirares excelentes a tudo no fim do período, dou-te um Iphone”,
Há pais que chegam mesmo a renegar o amor: o filho perde um ano e o pai/mãe começa a despreza-lo; o filho dá uma resposta parva própria da idade, o pai/mãe insulta-o e coloca-o de castigo ficando o resto da tarde sozinho.
Volte e meia, dou por mim a ter este tipo de comportamento com o meu filho de 4 anos. Não o renegar o amor, porque isso seria incapaz, mas a estimular descaradamente a competitividade. De manhã, para que se despache a vestir, por vezes desafio-o para uma corrida.
Agora ando mais atenta às mensagens que estou a transmitir com cada desafio que proponho: “competir é bom”?, “só gostam de mim se cumprir todas as ordens”, “se ameaçar os outros eles irão fazer o que eu quero”.
Segundo Kohn, ao usarmos o castigo como regra para correcção de comportamentos, estaremos a criar adultos que acreditam que as suas acções terão consequências apenas em si, e não nos outros, e defende que o castigo impede a reflexão moral. Além disso, estimular a competitividade gratuitamente fomenta que cada criança olhe para o colega como um potencial obstáculo para o seu sucesso.
Os resultados previsíveis são: alienação, agressividade, inveja.
Quando o sentido de competência da criança depende de triunfar sobre os outros, esta, na melhor das hipóteses, apenas se sentirá segura pontualmente porque sabe que nem todos podem ser vencedores, logo a hipótese de “falhar” é matemática.
A competitividade condiciona o desenvolvimento da autoestima e tem repercussões tanto no que perde como no que ganha. Devemos evitar posicionar os nossos filhos como superiores às outras crianças. Temos de ser pais mais cooperantes no sentido de valorizar o esforço, do que controladores que apenas procuram que os filhos alcancem as vitórias.
Ter orgulho nas vitórias do seu filho é algo positivo, mas se é daqueles pais que o faz exaustivamente e com um entusiasmo extremo, é possível que esteja a colar as vitórias dele aos seus fracassos. Evite atrelar a sua própria identidade às conquistas do seu filho.
Em casa, sou daquelas mães que não deixam o filho ganhar sem mérito e assim também aprende a perder com dignidade e com a felicidade de ter jogado e participado.
Durante muito tempo, o meu filho queria repetir a jogada quando lhe saia um ou dois no dado no jogo do ganso, e chegou mesmo a chorar e a dizer que a jogada não tinha valido porque eu falei enquanto ele lançava os dados. Inventava sempre uma desculpa para acabar com o jogo quando estava a perder.
Aos poucos, tenho-lhe explicado e exemplificado que o importante é divertir-se e participar. E reforço que o amo independentemente de ganhar ou perder. Eu quero que ele se sinta amado só por existir, e não por ser um campeão em tudo.
Lembrem-se, o mundo não precisa de mais campeões olímpicos. Precisa é de bons perdedores.
Baseado num artigo de Barbara Semerene, jornalista no Huffpodt Brasil, e nos textos do escritor Alfie Kohn
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