Há uns dias foi aceite em Portugal a adopção por casais do mesmo sexo e, assim, o ato hoje reconhecido é uma grande vitória da luta dos casais homossexuais pela conquista de direitos iguais. O desejo de constituir uma família é o desejo de muitas pessoas e não limitá-lo à orientação sexual é um passo em direção ao futuro.
Mas, por preconceito ou mesmo por curiosidade começam a surgir perguntas sobre o que acontece com crianças que nascem e/ou crescem em famílias de casais do mesmo sexo. A resposta não pode ser generalizada – assim como não podemos generalizar todas as outras famílias – mas existem alguns pontos que podem ajudar a elucidar a questão.
Famílias Homoafetivas – A saber: dúvidas sobre filhos de casais do mesmo sexo
1 – As crianças serão homossexuais?
É claro que não se pode afirmar com certeza, mas assim como casais héteros podem ter filhos que mais tarde se revelem homossexuais, nos casais de mesmo sexo as crianças não estão destinadas a serem gays. Aliás, estudos apontam que crianças que crescem em famílias do mesmo sexo são em sua maioria heterossexuais e tendem a ter maior tolerância e compreensão em relação às diferenças[1], fator esse positivo e preditor de inteligência emocional – essencial para dar conta das dificuldades na vida adulta.
2 – Essas crianças sofrerão bullying?
O bullying homofóbico é uma realidade em Portugal [2] e é provável que essas crianças sofram preconceito de alguma forma. Mas isso não as torna diferentes das outras crianças. Vale lembrar que os filhos de casais héteros também sofrem bullying. As crianças podem ser cruéis ao julgar e ridicularizar os colegas pelo cabelo, pelo peso, pela roupa, pelas sapatilhas, pelos óculos e, também, nesse caso, pela família. Cabe aos casais homossexuais orientar os filhos no sentido de que se protejam contra essas agressões, assim como cabe aos casais heterossexuais orientar seus filhos em relação a qualquer preconceito que venham a sofrer dos seus pares. Ainda, é preciso, independente da configuração familiar, trabalhar no sentido de orientar as crianças a aceitar as diferenças e tolerá-las. Somente esse movimento fará com que as agressões e as consequências emocionais geradas diminuam de forma considerável.
3 – Como identificam quem é o pai e quem é a mãe?
Nesse sentido entra outra questão importante: Não ter um pai ou não ter uma mãe é grave? Não, não é grave. Uma criança criada por um casal homossexual terá dois pais ou duas mães, mas isso não é um problema do ponto de vista psicológico. Afinal, há uma série de configurações familiares diferentes por aí – de mães solteiras, de avós a criar netos, de pai viúvo, etc – e não necessariamente a criança terá um prejuízo qualquer. É importante que a criança tenha contacto com pessoas dos dois sexos, mas ela naturalmente escolhe uma referencia de modelo para cada género e essa escolha é inconsciente.
4 – Como falar sobre a homossexualidade com meus filhos?
Com o aumento das diferentes configurações familiares esse tem sido um assunto enfrentado cada vez mais com naturalidade pelas crianças. Por isso, responder as dúvidas que possam aparecer é essencial. Para isso, responda apenas o que a criança perguntar e tente ser o mais simples e breve possível, sem reprimir ou julgar as suas dúvidas. É isso que fará com que seu filho confie e se volte para si quando tiver mais questões.
Por Letícia Machado, coach pessoal e profissional e psicóloga especialista em psicologia hospitalar, com ampla experiência no atendimento à crianças e adolescentes. Atualmente realiza atendimentos na YellowRoad através do coaching infantil e do treino de pais
[1] The National Lesbian Family Study: 4. Interviews With the 10-Year-Old Children. Gartrell, Nanette; Deck, Amalia; Rodas, Carla; Peyser, Heidi; Banks, AmyAmerican Journal of Orthopsychiatry, Vol 75(4), Oct 2005, 518-524.
[2] António, Raquel, Pinto, Tiago, Pereira, Catarina, Farcas, Diana, & Moleiro, Carla. (2012). Bullying homofóbico no contexto escolar em Portugal. Psicologia, 26(1), 17-32. Recuperado em 20 de novembro de 2015, de
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