“O meu filho não tem motivação para nada”.
Esta é uma das frases que mais oiço por parte de pais de adolescentes.
Do lado de cá, compreendo-lhes a angústia, tal como sou solidária com o lado de lá, que usa a inércia para mascarar o medo, a vergonha ou a incerteza de não se saber bem quem se é ou de não se estar à altura daquilo que esperam que se seja.
Quando nos nasce um filho, nasce-nos um sem fim de desejos, de projetos, de finais felizes, que servirão como uma luva (achamos nós) àquele pequenino ser. Nasce, ainda, a oportunidade única de nos redimirmos do nosso lado lunar, esperando que deles, seres de luz, venha sempre sol.
À medida que crescem e se tornam gente, vão dando pequeninos passos no sentido de nos ensinar a ajustar expectativas, a tropeçar nas certezas que criámos e a perceber que afinal por ali mora, tal como em nós, a lua, o sol e até a chuva intensa. E é precisamente aqui, nesta espécie de microclima tropical que é a adolescência, que tudo aquilo que sonhámos que seriam, dá lugar a tudo o que podem vir a ser e à necessidade de o perceber através de um caminho próprio, único e irrepetível.
O que se segue, é muitas vezes uma dança difícil entre pais e filhos, marcada pela tensão natural entre quem exige e quem é exigido e tantas vezes, pelo desejo secreto de que as coisas pudessem resolver-se outra vez com um pronto “Anda cá que a mãe ensina…”.
“E agora?” – perguntam vocês. “Como é que se ajuda a sair da tempestade, molhados, mas com vontade de enfrentar as próximas?” E eu respondo, outra vez: “Sendo porto de abrigo”, sempre que possamos tentar os passos seguintes:
Dar espaço.
Conviver com um filho que não parece interessar-se por nada, que não estuda, que não cumpre, que se perde nas horas do dia, pode ser extremamente desafiante para os pais, correndo-se o risco de transformar a sua inércia no tema de conversa preferido de toda a família (não que o prefiram, mas ele está sempre lá). Passa então a falar-se sobre isto constantemente, à refeição, na chegada a casa, antes de dormir, no carro à porta da escola… E com o tempo, a desmotivação passa a definir a sua atitude geral perante a vida e o que era passageiro, instala-se e perdura. É por isso importante desligar o modo “sermão” e centrarmo-nos naquelas que são as suas características positivas. Valorizar todas as oportunidades que possam tornar-se acendalha para lhes atear a chama outra vez. E é importante, sobretudo, deixar de falar deles e passar a falar com eles.
Compreender.
A falta de empenho é muitas vezes apenas a parte visível do iceberg. Um recurso para se defenderem de algo com o qual não se sentem capazes de lidar. Não liga nenhuma à escola porque acredita que os outros serão sempre melhores do que ele. Não investe no exame final porque acha que nunca vai conseguir ter uma nota que satisfaça a família. E assim, por evitamento, se vão confirmando todas as profecias, as dos pais e as do próprio.
É assim fundamental compreender que a desmotivação pode ser um sinal de alterações emocionais ou de uma baixa auto estima que, alimentadas por sentimentos de incapacidade ou de maior vulnerabilidade, acabam por impedir os jovens de explorarem as suas capacidades e de correrem atrás daquilo que desejam. Ouvir o que tenham para dizer (evitando o rótulo fácil), procurar ser empático com o que estão a sentir e partilhar quem fomos em momentos semelhantes, pode ajudar a desbloquear emoções associadas ao momento de impasse, tornando-as menos pesadas e logo, mais passíveis de transformação.
Exigir.
Compreender o que sentem e os desafios que atravessam. Isto não significa que sejamos coniventes com a distância afetiva que aumenta sempre que chegam tarde a casa por sistema ou sempre que evitam a todo o custo qualquer programa de família. Na adolescência, a experimentação de uma maior autonomia e independência, natural e altamente desejável, não pode sobrepor-se em larga escala ao tempo de todos e às regras de funcionamento do espaço familiar (horários, rotinas, divisão de tarefas…). Quer isto dizer que são de compreender e tolerar algumas escapadelas, mas o essencial deve manter-se, por mais contrariedade que às vezes provoque.
Acreditar.
Saber que a adolescência é um período de aprendizagens riquíssimas e de aquisições determinantes para o resto da vida, ainda que às vezes a navegação pareça fazer-se ao sabor do vento, ajuda a não perder de vista a importância de valorizar e a incentivar todos os pequenos passos que possam dar em direção ao crescimento. Estimulá-los a que se envolvam ativamente nas diferentes alternativas de solução para os problemas com que se deparem, fá-los também sentir também que confiamos na sua capacidade para superar todos desafios, ajudando a agir.
Quando um filho nos diz que não tem motivação, pode estar a dizer-nos que precisa que o ajudem a compreender-se melhor. Que precisa que olhem para si tal como é (e não como as histórias que se contam sobre ele) . Que precisa, enfim, que lhe digam, muitas e muitas vezes, que a vida vale a pena e que neles mora tudo o que é preciso para conquistar o mundo.
Ainda que o passo firme e o brilho no olhar possam vir depois, e se instalem, para não mais os deixarem sair.
imagem@wapmia
Desenvolve atividade formativa com pais, docentes e assistentes operacionais, maioritariamente nos domínios da Disciplina Positiva.
7 comentários
A/c Dra. Rita Guapo:
Olá, li este artigo para me “confortar” num momento em que estou em total desespero. Apesar do texto fazer sentido, continuo sem conseguir “sintonizar-me” com a situação do meu filho de 13 anos. Fala-se muito de adolescência, mas nem por esse prisma consigo justificar o que se passa ou o que não se passa, com o meu filhote.
Desde da Primária que a professora já me alertava para a falta de entusiasmo, motivação e “lentidão” ao fazer tarefas. Nunca desvalorizei, mas nunca quis tornar a escola uma obrigação. Chegou a um ponto que tive de começar a fazer o que não queria, obrigá-lo a executar tarefas da escola, pois tratam-se de responsabilidades que cabem ao próprio, apesar de cada vez perceber melhor que a escola é uma tortura, um sufoco, uma luta sem fim.
Não é por falta de inteligência, pois para mim como pessoa e não como mãe, o meu filho não é burro e quando se dedica, os resultados são sempre positivos. Ainda assim, noto que se acha sempre menos do que os outros e nem pensa em se esforçar minimamente seja para o que for, porque derrota-se antes de correr à partida! Se a Lua fosse um país o meu filho era o Presidente! 🙂 🙂 desgraça-me a paciência, a mim e ao Pai que não tem muita tolerância em quase nada, pois é esquecido, perde objectos pessoais constantemente, não sabe em que dia está ou local onde se encontra, e lembrar-se de um recado que foi dado à primeira, é um verdadeiro triunfo. Não faz higiene (natural do nosso dia-a-dia) se ninguém o chamar à atenção, ao ponto de estar quase 1 semana sem tomar banho e trocar de roupa, porque eu não ralhei ou não o lembrei!! Pelo meu filho, estaria 24/7 a jogar no telemóvel, PC, Playstation e coisas afins que não façam lembrar de assuntos como escola. Tem amigos, é social apesar de tímido, tem um coração de ouro, meiguinho e educado e “palhacinho de serviço” na turma, juntamente com os crânios da turma. Esses, apesar de bons miúdos, safam-se porque tiram boas notas e são intocáveis, agora o meu é o alvo de todas as brincadeiras, sendo cúmplice ou não. Não como agir e não sei o que mais fazer…até umas palmadas já levou, apesar de nunca enveredar por esses caminhos. Castigos constantes, abstê-lo de tudo o que mais gosta de electrónicas, longas conversas e muito choro, mas nada resulta, volta sempre ao mesmo, a completa alienação ao mundo que o rodeia e que o está a definir sem que ele o perceba…
Não é adolescência não, eu já fui uma e as minhas dúvidas eram outras…
Meu filho tem 12 anos ainda joga com brinquedos e gosta de jogar com o telemóvel. Só que eu como mãe não gosto que ele fique tanto tempo a jogar e por isso coloque uma APP para restringir o tempo nos jogos. Não sei se fiz bem? Como ele não cumpriu as rotinas que tem de Fazer a diário fico de castigo. E começo a ficar horas sentado no sofá sem fazer nada e a ter uma conduta desmotivada. E não sei como lidar com está situação? E sinto-me triste porque não sei se é minha culpa.
Dê-lhe outras alternativas: leitura, jogos de tabuleiro, trabalhos manuais…. algo que ele goste de fazer. Tente sair com ele à rua diariamente mesmo que seja por pouco tempo.
Olá, este texto faz todo o sentido e quem me dera que a questão fosse fácil de resolver.
O meu filho era o menino mais curioso na pré-escola. A partir do 2º ano, deixou de investir e não tem vontade de melhorar na escola, mesmo tendo notas negativas 🙁 Já está no 6º ano, sempre de empurrão, sem se preocupar com nada… Isto é normal, mesmo antes da adolescência???
Olá Silvia, há vários motivos para as crianças desmotivarem. Ás vezes o motivo inicial é passageiro, mas depois começam a perder matéria na escola, começam a descer as notas, e com elas a motivação, a confiança e a auto-estima. A falta de preocupação pode ser também falta de maturidade, não ter noção da causa-consequência. Experimente explicar-lhe melhor as consequências de não estudar. Se para ele não têm importância, experimente atribuir uma consequência que de alguma forma o afete. Se não estudares, terás avaliações baixas e possivelmente negativas. A consequência será reprovar o ano. Se para ele não tem significado, explique-lhe tudo o que irá perder se repetir um ano por desinteresse. Obrigada e boa sorte (Equipa uptokids)
Às vezes penso que não sou normal pelo modo como encaro a realidade e o modo de a abordar.
Consola ler que não estou sozinha no modo como vejo a aprendizagem e o saber ser porto.
Olá Paula, muito obrigada pela partilha. Fico contente que o texto tenha feito eco. Sejamos muitos, a saber ser porto de abrigo… 🙂