Leite de vaca na infância: quando, como e porquê?
Lembro-me de ser criança e de detestar leite (tanto que, até hoje, não o consumo) e lembro-me também de não ter outra hipótese se não o beber a todo o custo, todos os dias, não fosse eu ficar pequenina para sempre.
Os meus pais acreditavam que o leite era obrigatório para um crescimento harmonioso. E provavelmente os teus também. Hoje em dia, os benefícios do leite são postos em causa por várias correntes. Como não sabia bem onde me situar – se contra ou a favor – decidi ouvir vários especialistas e responder as perguntas que ecoam na cabeça dos pais de hoje.
O leite de vaca é obrigatório?
Não. A resposta é unânime por parte de todos os especialistas que consultei. Mas, se para uns “apesar de não ser essencial ou obrigatório, não há motivo para a diabolização que [o leite] tem sofrido nos últimos tempos”, para outros “o que é obrigatório é o leite materno porque somos mamíferos”.
Mais longe nesta avaliação vai o movimento Slow Food que denuncia “as constantes tentativas da cadeia agroalimentar suportarem a sua comunicação assente em desinformação e no marketing enganoso” e que, nessa medida, é urgente alterar o panorama de packaging nos produtos alimentares.
Importa primeiro referir que, para além de quem não quer dar leite de vaca aos filhos por opção, existe também um número substancial de crianças e jovens intolerantes à lactose ou alérgicos à proteína do leite. No primeiro caso (dependendo do nível da intolerância), consumir leite sem lactose pode ser uma opção. No segundo caso, o consumo de leite e de derivados não é de todo recomendado pelo que aconselho a consultarem um especialista.
A partir de que idade devo introduzir o leite de vaca?
De acordo com os especialistas não existem alimentos obrigatórios, pelo que atualmente não existe uma idade até ao qual o consumo diário de leite seja fundamental. Defende-se, no entanto, que o leite de vaca nunca deve ser introduzido antes dos 12 meses. Para a maioria dos especialistas, esta introdução deve ser feita mais tarde, preferencialmente após os 24 a 36 meses de vida.
Ate lá o bebé deve ser amamentado ou consumir leites de fórmula adaptados à idade.
O leite é um heroi?
Nim. É um alimento interessante porque “para além do conteúdo em proteína, é também fonte de cálcio, não tem açúcares adicionados e também nos permite optar por versões com menos gordura”, mas as evidências mostram-nos também que os processos industrias de produção do leite não são os mais aconselháveis pelo que a qualidade do produto está hoje francamente comprometida.
…. ou é um vilão?
Apesar de alguns estudos sugerirem uma relação entre um consumo de leite e a prevalência do cancro da próstata e do ovário existem, por outro lado, estudos que apontam para um efeito protetor do leite, em doses recomendadas, no que respeita ao cancro do colón, da mama e da bexiga.
Algumas especialistas suportam-se de artigos de 2011 a 2018, para afirmarem que este é um alimento com capacidade “pró-inflamatório” que “está correlacionado com a prevalência de alguns tipos de cancro” devido a proliferação celular que pode levar à modificação de células com algum tipo de descontrole celular”.
Por outro lado, há uma corrente de especialistas que, com base nas tão mediáticas conclusões da Universidade de Harvard concluem que não se encontra “qualquer associação entre o consumo geral de leite ou os derivados”. Defendem que “para o cancro da próstata, o artigo em questão, refere o contributo do cálcio para o desenvolvimento da doença, não mencionando o leite“. Já quanto o cancro dos ovários é referido o papel da galactose (açúcar resultante do processo de digestão da lactose) em danos nos ovários conducentes ao cancro” mas, explica, “numa dose de três porções diárias de leite, o que é superior ao recomendado”.
Existem doses recomendadas?
Sim, mas só para quem consome diariamente leite. O recomendado para os volumes de leite e derivados (incluindo fórmulas) a partir dos 12 meses é de aproximadamente 400 ml/dia. Nas crianças que já tenham introduzido o leite de vaca, este valor traduz-se em dois copos de leite ou 1 iogurte e um pacote de leite por dia, por exemplo. Esta dose máxima não deve ser excedida.
Quais os substitutos do leite?
Não, substituir o leite de vaca por bebidas vegetais não é suficiente. Algumas bebidas vegetais, apesar de serem enriquecidas, e por esse motivo, apresentarem a mesma quantidade de cálcio, têm menor teor proteico e maior conteúdo de açúcar em comparação ao leite.
A solução passará então por ter especial cuidado à leitura dos rótulos (há imensas bebidas vegetais sem adição de qualquer tipo de açúcar. As bebidas de millet ou quinoa são excelentes) e enriquecer a alimentação com vegetais de folha escura, peixes como a sardinha, o feijão, sementes de sésamo e a gema de ovo, também eles ricos em cálcio.
Fontes : Alecrim, Slowfood, AnaMoreira , NCBI, HPSH
2 comentários
Obrigada pelo esclarecimento, realmente muitas vezes me questiono se devo ou não dar leite ao meu filho com 2 anos e meio! Optei por não dar todos os dias mas sem grandes fundamentalismos, os pais não bebem logo não temos em casa mas se lhe apetecer fora não lhe nego.
Obrigada Mariana d’Orey por finalmente nos proporcionar um artigo tão esclarecedor e imparcial sobre um assunto tão controverso como o do consumo do leite.
Temos sido bombardeados com tantas opiniões radicais e tão discrepantes que se torna muito difícil perceber o que realmente representa o consumo do leite e decidir se o devemos/podemos dar aos nossos filhos.