Ana Marques, apresentadora de televisão, mãe de Laura e Francisca, acaba de lançar o seu primeiro livro: as minhas gémeas. 33 Dias de internamento na Maternidade Alfredo da Costa, retratados na primeira pessoa, num livro comovente e realista.
Um olhar atento e uma nova perspetiva sobre a gravidez e a maternidade, sem esquecer a inelutável condição das mulheres. Ana: a mãe coragem que transformou a sua experiência num livro de sucesso. A Up to Lisbon Kids foi conhecê-la.
Olá Ana,
Como surgiu a ideia de tornares pública uma experiência tão pessoal?
Olá. O livro já existia mesmo antes de ser um livro escrito, pois na realidade sempre contei a experiência do nascimento das minhas filhas. Fui sempre contando estas histórias e episódios. Em várias ocasiões, à família ou em jantares, por exemplo. Contava este meu cárcere na Maternidade Alfredo da Costa de forma desdramatizada e até um pouco humorística. Aliás, quando voltei da licença de maternidade, a almoçar com algumas colegas da SIC, comecei a contar estes episódios. As pessoas que trabalhavam comigo estavam longe de imaginar que tinha estado internada e passado alguns momentos tão complicados. Existe, contudo, uma colega que se interessa pela história e me diz que deveríamos fazer uma curta-metragem. Ainda tentámos, mas depois a ideia foi sendo adiada. Há cerca de um ano e meio, o Manuel Fonseca (da Editora Guerra e Paz) propôs-me escrever um romance. Disse-lhe que não era a primeira pessoa que me falava em escrever um livro, no entanto talvez ainda fosse prematuro. Tenho muito respeito por quem escreve e acho que ainda sou um pouco imatura. Falámos sobre o nascimento das minhas filhas e todos estes episódios que vivi na maternidade e acabei por escrever sobre esta experiência marcante e esta fatia da minha vida. O Manuel gostou, concordou e surgiu assim a ideia do livro.
Foi fácil passar para o papel todas as recordações? A memória continuou fresca após estes anos?
As recordações estavam muito frescas. As minhas filhas vão fazer cinco anos, portanto tudo isto aconteceu em 2009. Escrever estas memórias, anos depois, foi como se tivesse sido ontem. Ainda pensei em conversar com as minhas colegas e amigas da maternidade para me lembrar de alguns detalhes. No entanto, não precisei. Acabei por lhes ligar pouquíssimas vezes. Na verdade, julgo que tinha matéria para escrever o dobro das páginas do livro. Contudo, há coisas que vou continuar a querer guardar só para mim. Foi uma experiência muito marcante. O facto de ter estado internada, de repente, numa altura em que estamos em suposto “estado de graça”, onde parece que nada de mal nos acontece, é difícil de lidar. É impactante. Nós, mães casulo, com problemas, sentimos que não estamos à altura, que não protegemos bem as nossas crias. Psicologicamente é muito duro. O internamento é um momento complicado. A sensação de internamento, por acidente, de um momento para o outro e grávidas, deixa-nos viradas do avesso.
A intenção do livro poderá ter sido, também, denunciar situações que se assemelham com as que viveste na maternidade?
A intenção não era, de todo, denunciar situações. Eu levei algum tempo para escrever o livro e hesitei inúmeras vezes, enquanto o escrevia. Questionava-me: será que vai afastar as pessoas porque tem muito da minha experiência? Será que tem um lado que não é politicamente correto de se falar? Será que sou das únicas mães que escreve sobre esse lado menos bom? O facto é que o livro, apesar de não ter nenhum objetivo pedagógico (nunca foi essa a minha intenção), toca e levanta questões relacionadas com tabus da maternidade que nós, mulheres, não falamos habitualmente umas com as outras e que não nos foram contadas sequer pelas nossas mães ou avós. Parece que vivemos todas com um compromisso de segredo quando as coisas não correm tão bem. Na realidade o feedback que tenho recebido, na sua maioria, são mulheres mais velhas que passaram por maus momentos, que tinham acabado de ser mães, de cumprir um desejo de uma vida inteira mas que não sabiam o que sentiam, nem tão pouco, tinham falado sobre isso. Achamos que é tudo maravilhoso e sentimo-nos pequeninas e impotentes, quando surge o inesperado. Tenho recebido muitas mensagens confessionais de quem já leu o livro, pessoas que depois de lerem o livro se começaram a compreender. Ora, isto é muito positivo para mim.
Portanto, o teu livro descreve a tua experiência de 33 dias de internamento como dias que jamais irás esquecer…
Quando estamos na maternidade, estamos numa espécie de prisão e numa nova realidade. Estamos privadas de fazer tudo aquilo que gostaríamos de fazer, como a mala da maternidade, construir e preparar o ninho para o bebe que aí vem. Sentimos que nós, as mulheres internadas, somos fracas. Esta emancipação feminina trouxe a muitas mulheres um certo exibicionismo de que a gravidez não é doença e que, na verdade, conseguem estar grávidas e fazer tudo o resto. Ora, nem sempre é assim. Há complicações e problemas que existem na gravidez, tais como pré-eclampsia, diabetes gestacional, placenta prévia, entre outras. Há doenças que são só de gravidez e que podem ser um mau totoloto para qualquer grávida. Acho que o livro passa esta mensagem.
O livro não é um elogio à maternidade Alfredo da Costa, mas também não vai contra ela. Julgo que, nos 33 dias de internamento na maternidade, passei por várias maternidades. Existem formas de estar e tratar as mulheres que são completamente diferentes. Há realmente um conceito de maternidade que não concordo. Sem me alongar muito, pois é preciso ler o livro para perceber, o que é facto é que somos mulheres grávidas heroínas mas também somos puérperas heroínas. Lembro-me de estar nos cuidados intensivos e, após ter passado à enfermaria, tinha que tratar da minha filha com muita dificuldade, sem estar minimamente capaz. Permanece a ideia, de que o maior vínculo da mãe ao seu bebé é estar sozinha com ele e tratar dele, mesmo sem o conseguir fazer.
Na aldeia mais recôndita do país, as mulheres do antigamente descansavam, assim que tinham os filhos. As mulheres ajudavam-se umas às outras. As mães ficavam numa espécie de recobro dois ou três dias e outras pessoas tratavam dos bebés. Nós, hoje em dia, temos que estar logo a postos para tratar dos bebes e, por vezes, não estamos preparadas, nem o conseguimos fazer. Aí, claro está, abre-se um espaço às depressões pós-parto, baby blues ou rejeição. Eu não me senti bem e explico no livro porque é que não concordo com essa ideia de ficarmos completamente sozinhas, sem condições, a tratarmos dos nossos filhos. Saí da maternidade e fui pra casa, fui com as peças do puzzle por organizar e senti que, esse momento, foi o momento mais desgastante.
É um livro que tem ajudado as outras mães e isso reflete-se pela aceitação do público. Está no top de vendas nacional. Tens sido muito acarinhada?
Tenho sido muito acarinhada e recebo muitas mensagens de pessoas. Eu acho que a minha história acabou por tocar muita gente. Também pela forma como foi contada, não esquecendo um toque de humor, que faz parte da minha personalidade. Tenho uma tendência para brincar e desdramatizar.
“Apesar de amar imenso os meus pais, o meu irmão e amar visceralmente a minha mãe, amar os nossos filhos é diferente: dá-nos medo mas também a sensação de que a nossa vida começa a ter sentido.”
Com este livro, não se consegue colocar, de parte, o lado emocional. O que se alterou com a maternidade?
Para mim, ficou claro que a minha ansiedade duplicou mas que o meu coração se encheu ainda mais de amor. Após sermos mães ficamos com a sensação de concretização. O que é facto é que a maternidade dá este misto de ansiedade e de híper responsabilidade. O nosso coração transborda de amor. Apesar de amar imenso os meus pais, o meu irmão e amar visceralmente a minha mãe, amar os nossos filhos é diferente: dá-nos medo mas também a sensação de que a nossa vida começa a ter sentido.
Este livro pode ser o primeiro de outras publicações?
Este livro começou com a encomenda de um romance, que acabou por originar As minhas gémeas. Provavelmente, poderá abrir caminho a explorar outras questões relacionadas com a temática da maternidade ou histórias de vida. Sinto que este livro tem funcionado com uma catarse de sentimentos para algumas pessoas. Está a ajudá-las e isto é muito bom. Sinto que vou levantando várias “tampinhas” de algumas realidades que até então estavam escondidas ou que ninguém falava sobre elas. A grande surpresa do livro foi exatamente esta, pois receava que ninguém compreendesse o que escrevi e da forma como o escrevi. Neste momento, começam até a surgir alguns convites para falar em conferências sobre estes temas relacionados com a maternidade. Estou disponível para participar em debates e outras iniciativas. As imensas mensagens que tenho recebido são tão positivas, o que me dá mesmo muita força para continuar.
Em relação ao facto de seres mãe de gémeas, tens algum conselho que possas transmitir?
Ter dois bebes ao mesmo tempo e o facto de serem prematuras cria em nós, pais, uma fragilidade que se mantém por muito tempo. Há uma ansiedade maior e parece que o mundo é ainda mais ameaçador. No início, é assustador. Eu, por exemplo, até as minhas filhas terem um ano de idade não saia sozinha com elas. Usei sempre carrinhos diferentes e não o carrinho duplo de gémeos. Acabei por me programar e sair sempre com alguém e ter, então, dois carrinhos. Acabou por ser a estratégia de logística que segui. Como tenho duas filhas muito diferentes tenho que me lembrar constantemente que são gémeas. E esta questão remete para uma outra essencial quando se tem gémeas: respeitar sempre as diferenças de cada uma. Portanto, o conselho que dou é o seguinte: respeitar a identidade de cada uma das crianças. Outra das dicas que dou é aproveitar, de vez em quando, para se fazer um programa com apenas uma delas. Estar sozinha com cada uma, é importante. Acho que nos faz bem, às três.
BINOME: Ana Marques IDADE: 42 anos FILHAS: Laura e Francisca PROFISSÃO: Apresentadora de televisão UM LIVRO: As minhas Gémeas UM DESEJO: que o livro continue a permitir que tanta gente se identifique com ele. |
SUGESTÕES DA ANA MARQUES:
Um programa favorito com as tuas filhas,
no verão: Ir à praia. É o que nos sabe melhor.
no inverno: Ir a espetáculos e ao teatro.
um livro infantil O Dia em que os Lápis Desistiram, Oliver Jeffers. Um autor estupendo que elas adoram.
Portal infantil: uptokids.pt
Obrigada Ana.
Por Selma Pereira Rocha, para Up to Lisbon kids
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