Mãe, estás contente?
Os nossos filhos vêem-nos como somos e não como achamos que somos.
Muitas vezes, ao longo da vida, enganamo-nos. Enganamo-nos para continuarmos o nosso caminho sem nos sentirmos tão culpados por aquilo que fazemos e que sabemos que deveríamos fazer de outra maneira.
Ao longo da vida enganamos os outros, voluntária ou involuntariamente, pelo simples facto de aceitarmos a opinião que os outros têm de nós sem a corrigirmos, principalmente quando essa opinião é positiva.
Com os filhos não há nada disso.
Podemos saltitar de pedra em pedra mas eles sabem que não estamos a voar.
Vêem-nos como super heróis por fazermos coisas que a eles ainda são inacessíveis, vêem muitas vezes as nossas qualidades quando duvidamos delas, e muitas vezes apontam os nossos defeitos quando menos esperamos.
“Mãe, por favor, não fiques zangada. Não quero que fiques zangada”.
Esta frase tira-me metade do coração quando a oiço.
E às vezes ela chega para me lembrar que quando chamo a minha filha à atenção ela vê o que eu não vejo, porque estou dentro de mim. Ela vê o cansaço, ela vê alguma impaciência, ela vê alguma tristeza.
Acho que é importante que ela perceba que os seus actos têm consequências, acredito que ela tem de perceber que quando me magoa deve ter à sua frente alguém que demonstra os seus sentimentos sob pena de crescer a achar que a mãe foi sempre um muro de aço perante as coisas menos boas da vida e que demonstrar os nossos sentimentos é uma fraqueza. Não é, pelo contrário.
Mas quando ela me vê naquela culpa e tristeza sinto ainda mais culpa e mais tristeza, essa sina eterna das mães.
Quero que perceba que as coisas não desaparecem segundos depois de acontecerem, mas não quero que tenha receio que eu me zangue. Quero que faça as coisas, tome as suas decisões pelos motivos certos e não com medo de me deixar triste.
Sei, também, que há alguma inevitabilidade em crescermos a não querermos desiludir os nossos pais e que isso faz parte.
E por isso, ao ver-me ao espelho quando me zango, através dela, através da forma como ela me vê, sei de imediato aquilo que tenho de tentar mudar.
E é por isso que o diálogo é tão importante.
E é por isso que a pergunta “estás zangada?” nunca é seguida de um “mas é claro que sim”, um virar de costas e ir embora.
Eu fico. Eu baixo-me para falar com ela a olhá-la nos olhos. Eu explico o que estou a sentir e porquê. Explico o que acho que devia ter acontecido de outra forma, muitas vezes inclusivamente falando do eu EU deveria ter feito de outra forma, porque aqui não há só um culpado.
E depois abraçamo-nos. E ela, sem falhar, pede desculpa se tem de o pedir e jura que não volta a fazer.
Já percebi que uma das coisas que mais desespera a minha filha é sentir que me falhou.
Mas ela não me falha. Simplesmente está a crescer. E crescer custa, dá trabalho e é um percurso recheado de bons e maus momentos.
Seguimos caminhos errados, testamos limites, somos diferentes do que esperamos que sejamos.
E isso não vai mudar, porque hoje, aos trinta e dois anos, continuo a fazer o mesmo que ela aos quase quatro.
E por isso quero que ela sinta que não vou fingir que não vejo quando ela age de forma errada, mas quero que saiba, que sinta, que não tenha menor dúvida que, principalmente nesses momentos espero por ela para lhe dar a mão e encontrarmos uma maneira de melhorar. As duas.
Ser mãe não é fácil, principalmente porque também nós estamos a seguir o nosso percurso, a evoluir, a mudar, a encontrar novas ferramentas, novas convicções.
Ser mãe não é fácil pelo que se espera de nós, pelo que esperamos de nós.
Mas sabermos que não fazemos esse crescimento sozinhas ajuda.
E eu não estou sozinha porque a tenho a ela, a aprender comigo e a ensinar-me mais do que dezassete anos de escolaridade me ensinaram.
E não, meu amor, não estou zangada. E se estiver, passará.
Porque tudo passa, menos nós.
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Autora orgulhosa dos livros Não Tenhas Medo e Conta Comigo, uma parceria Up To Kids com a editora Máquina de Voar, ilustrados por aRita, e de tantas outras palavras escritas carregadas de amor!