Já se sabe que os pais também precisam de tempo só para eles, precisam de sair, precisam de se divertir. As crianças são o melhor do mundo, pois são, mas às vezes é preciso deixar o melhor do mundo com os avós. É justamente sobre essas horas de liberdade e loucura que vamos falar.
Tudo começa com o bater da porta da casa dos avós, depois de se entregar as encomendas. A porta nem bate. A porta encaixa na perfeição. Voltam-se então os dois, inspiram e sorriem, o que até pode ser perigoso, porque uma pessoa pode engasgar-se.
A partir daqui, é a perfeita loucura. Revive-se a excitação de outrora, quando começaram as saídas à noite. É a mesma sensação de liberdade, até porque tudo começa, se pensarmos bem, no mesmo sítio, na mesma porta.
Vamos jantar, vamos sair, vamos fazer tudo. É tudo nosso. Vai ser até madrugada. Não há limites. “Vai ser só curtir”, como dizia a canção. É a mais básica e genuína sensação de liberdade. Um cheirinho de adolescência.
Na maioria dos casos, porém, a meio do jantar já estão perdidos de sono. Mas nesta fase ainda ninguém admite e continua a virar-se copos e a rir, como se aquela imagem do sofá ou mesmo da cama conseguisse sair do pensamento. Depois, no fim da refeição, a cafeína pode ajudar a recuperar alguns sentidos e portanto, à pergunta “então, vamos a algum lado?”, “vamos, claro” é a resposta, mas para todos os efeitos, em muitos países, sobretudo nos mais desenvolvidos, aquela pessoa já era considerada a dormir. Aliás, a ciência ainda nem tem absolutas certezas sobre quem é que responde quando um progenitor em liberdade diz, numa sexta-feira à noite, “vamos, claro”.
Lá se vai então para a boîte. Isto se não se capitulou já no bar de permeio, porque às vezes é muito cedo para ir para a discoteca. Convém, aliás, ir olhando para o relógio, pois às vezes pensamos que são duas da manhã e nem dez da noite são. Recordo-me, por exemplo, de entrar pelo Jézebel ainda nem era meia-noite. Não sabia se havia de pedir um copo ou uma vassoura para ajudar a preparar a casa para a noite. Lá se vai o tempo em que encerrávamos os estabelecimentos, agora vamos abrir.
É por isso no bar de permeio que costumam aparecer as primeiras bandeiras brancas. “Rendo-me”, ouve-se alguém declarar, antes de pagar a conta e recolher ao quartel.
Neste contexto, quem chega à boîte já se pode considerar um vencedor, mesmo que vá dançar uma espécie de kuduru sonâmbulo. Quando chega a altura de chatear o DJ com pedidos, em vez das músicas da moda, hoje pedimos uma coisa romântica e não é por estarmos apaixonados, é apenas para podermos dormir três minutos nos ombros uns dos outros.
Chega então a hora de ir para casa, que costuma acontecer cerca de dez minutos depois de alguém ter tido a coragem de dizer “não tarda vamos”. Quando alguém diz “não tarda vamos” instala-se uma sensação de alívio, mesmo nos hipócritas que se armam em valentes e dizem “já?”, como se não soubéssemos que foram à casa de banho da discoteca e andaram à procura da escova e do copinho para lavar os dentes.
Uma vez em casa, esperava-se uma espécie de “50 Sombras de Grey”, mas “E Tudo o Vento Levou”. Isto quando não é o motorista do táxi que os tem de levar para dentro, vestir-lhes os pijamas e metê-los na cama.
De manhã, o despertar é lento e a sensação é a de estar espalmado na cama como se tivéssemos caído nela de uma altura de 150 metros. Sentimos que vai ser preciso um salazar para nos raspar dali, pois não temos força. O corpo entorpeceu com uma noite completa de sono e desconfigurou-se tudo. É preciso reaprender uma série de coisas.
A pouco e pouco, porém, esta sensação de noite completa vai fazendo bem à autoestima, até porque calculamos que devem ser umas duas da tarde. Assim aquela hora a que acordam os grandes malucos. Olhamos então para o relógio, mas ainda nem são nove.
ZP, Imprensa Falsa
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