Tu não és o filho deles, tu és o meu filho adolescente. Agora compreendo porque cometi um erro em procurar ajuda junto dos pais dos teus amigos.

Mensagem que deixei ao meu filho adolescente na noite de Natal.

Mensagem que deixei ao meu filho adolescente na noite de Natal:

Querido filho:

Os preparativos para o natal tornaram mais claro e difícil que alguma coisa não anda bem entre nós. Fica descansado, hoje não vou falar das notas, da tua preguiça para levantar, nem do quarto desarrumado. Posso bem com a tua oposição às minhas reclamações, e até já aprendi a divertir-me com as tuas respostas em forma de suspiro controlado.

É mais grave.

Estamos distantes como nunca, e por mais que tente, parece que não consigo ligar-me a ti como dantes. Tu sabes que é verdade.

Quando te contar como tentei resolver isto na minha cabeça, vais odiar-me: ando tão preocupada, que pedi ajuda a literalmente todas as pessoas com filhos da tua idade que conheço. Sim, a alguns pais dos teus amigos, já deves estar a imaginar quem são.

Parece que te estou a ver a ler isto, e a mergulhar repentinamente a testa no travesseiro – sobreviverás. Não esperava deles uma cura milagrosa para o meu problema, contava sim com alguma sugestão que me surpreendesse, uma estratégia que tivesse resultado com eles e que eu pudesse replicar, para errar menos contigo. Mas nada, nenhum foi capaz de me ajudar na medida que eu precisava. Custa-me aceitar que os conselhos que me deram sejam tudo o que podemos fazer por nós: conformar-me  que na tua idade é assim mesmo, que te devo deixar estar alheado da tua relação comigo enquanto durar, e que por tempo indefinido possamos somente conversar de assuntos puramente funcionais – a que horas é que te vou buscar; se as calças que tu mais gostas já estão prontas; ou se tu achas que estar frente ao computador até de madrugada é normal.

Não me parece mesmo que a opção dar tempo ao tempo vá funcionar, e não é por detestar frases feitas.

Não gosto, acho perigoso ter com o meu filho uma relação de improviso, nem que seja a prazo. E porque há qualquer coisa que me diz que esperar que sejas tu a dar o primeiro passo é o mesmo que aumentar este intervalo vazio que aconteceu nas nossas vidas, pus tudo no papel, tal como fazia na escola antes dos testes, mas com muito mais cuidado. Tive mil cuidados, filho, para vermos se isto resulta melhor entre nós. Quem dera poder dizer-to, em vez de escrever, mas não consigo.

Vais pensar que não tem nada a ver, mas faço analogias muito óbvias entre ter que colocar este papel debaixo da tua almofada e a nossa vida quotidiana, porque parece que andamos mesmo a jogar às escondidas.

Sei que já não és uma criança, nem desejo que voltes a sê-lo, garanto-te. Deves pensar que o meu desejo é agarrar-te por debaixo dos braços e fazer círculos com o teu corpo pelo ar a grande velocidade, como quando eras pequeno. Nem penses, serias demasiado pesado. Mas já pensaste como estabelecemos tão pouco contacto físico? Podes abraçar-me de vez em quando, não te vou levantar a camisola da barriga e começar a fazer um alarido de sons com a minha boca, na tua pele arrepiada. Podes deitar a tua cabeça no meu colo quando estivermos no sofá, bem sei que perdi os teus caracóis de criança para a cera modeladora. Posso quando muito dar-te um beijo na testa, daqueles que já não te dou há meses, porque já nem sei como fazer para chegar a ti, sem que sintamos algum desconforto.

Agora compreendo porque cometi um erro em procurar ajuda junto dos pais dos teus amigos.

Tu não és o filho deles, tu és o meu filho, uma fusão da educação que te dei e da tua vontade. Demorei muito tempo a perceber isso porque temia a resposta, mas agora estou pronta.

Vá, podes dizer-me que começaste a caminhar com apoio nas minhas pernas. Que fui eu quem te ensinou a tomar banho sozinho e a apertar os cordões aos sapatos. Que fiz de conta que as tuas braçadeiras preferidas estavam furadas, só para que aprendesses a nadar com a minha mão insegura na tua cintura. Explica como não só não me arrependi disso, como ainda te contei que o fiz, alguns anos depois. Havemos de rir. Vais falar-me daquele aniversário em que te ofereci uma viagem a Londres para melhorares o inglês. A tua cara de alegria a rodopiar para espanto, quando eu disse que não ia contigo, porque já te achava capaz de ires sozinho, motivou a maior gargalhada familiar de que há memória.

Vais perguntar-me porquê, filho.

Porque foi que passei a vida toda a dizer que os miúdos não nos pertencem e que os geramos para oferecer ao mundo, preparados com o melhor que lhe pudermos ensinar. Porque estou  agora a reclamar daquilo que eu sempre procurei desenvolver em ti?

Eu não sabia que ia ser tão difícil, e é-me muito difícil explicar. O tempo passou depressa demais, tu cresceste com ele, e já não precisas de mim para planear as tuas conquistas. Eu sei, nada me deves, nem posso cobrar-te. Por isso, se devolveres outra vez este papel ao lugar entre o lençol e o travesseiro, prometo acreditar que não reparaste, não leste, nunca soubeste.

E continuarei a aprender o mundo sem ti, o melhor que puderes ensinar-me.

Mãe.

 

Resposta em  “Carta do meu filho adolescente em resposta à minha mensagem”

imagem@digistar

 

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