Criancas desafiadoras

Criancas desafiadoras

Não há crianças desafiadoras

Não há crianças desafiadoras

Tem filhos que o contrapõem?

Que estão sempre a discordar consigo? Crianças que contrapõem o que lhe diz? Crianças persistentes, determinadas, que gostam de levar a sua sempre avante? Crianças que parecem ficar coladas ao chão quando lhe mandam fazer uma coisa? Que não fazem o que lhes diz nos momentos em que lhes diz?

Então parabéns. Tem consigo pessoas saudáveis, extremamente inteligentes, com grandes capacidades de liderança, com opiniões fortes, determinadas, fortes de caracter, persistentes, que – se bem direccionados – terão muito para dar ao mundo.

No entanto, estas ainda são características que fazem pais, educadores e outros especialistas catalogarem as crianças de desafiadoras. Elas respondem, manifestam-se através de expressões faciais, corporais e vocais o seu descontentamento sobre opiniões nossas ou sobre a forma como nos exprimimos. Elas revoltam-se, dizem não, perguntam porquê a toda a hora  e debatem tudo aquilo que lhes dizemos.

Estas são crianças que precisam de perceber a logica de TODAS as coisas, que – se os encorajarmos e lhes dermos asas – compreenderemos que pensam pela sua própria cabeça desde muito cedo, e, se lhes dermos abertura, demonstrarão os seus talentos a conhecer e explorá-los-ão.  Podem ser pessoas pequenas, no entanto, se as observarmos atentamente, elas ensinam-nos TUDO sobre como se devemos agir e interagir com os outros, especialmente com aqueles que pensam e agem de forma diferente da nossa.

São crianças que precisam de muita conexão, compreensão, respeito e aceitação.

Nem sempre conseguem manifestar da forma mais harmoniosa a sua opinião e precisam que lhes ensinemos calmamente e com muita calma. Não são crianças que precisam de ser quebradas. São crianças que, tal como todos nós, precisam de ter – e de sentir –  liberdade para se manifestar. São crianças com convicções, ideias e visões fortes que precisam de ser amparadas de forma gentil, tendo o respeito e a compreensão como linhas mestras ao longo de todo o seu percurso.

Muitas destas crianças, são crianças altamente criativas, enérgicas, com ideais, convicções e gostos muito definidos. Se parar para observar, com certeza vai questionar-se se serão desafiadores ou se estarão a tentar ser ouvidos, escutados, valorizados.

Podemos escolher acolher os nossos filhos tal como são, e deixá-los guiar o caminho, ajustando à sua forma de ser  ou podemos escolher quebrar o seu espírito, travá-los, reduzindo-os a etiquetas ou a categorias redutoras.

Não há crianças desafiadoras.

Tal como tantos outros, esse é um mito criado por uma sociedade de adultos que não compreende o universo infantil na sua essência, uma sociedade feita de adultos para adultos, em que a sede do poder e de ter razão se sobrepõe à partilha do amor, da paz.

Uma sociedade que educa para o TER e não para o SER, que precisa de catalogar para hierarquizar, que avalia a qualidade de um ser humano pelos seus erros em vez de glorificar os seus talentos e o seu valor inato, reduzindo as mais belas características do ser, em vez de elevá-las glorificar e valorizar aquilo que cada um tem de melhor.

Podemos tentar que os nossos filhos sejam aquilo que não são. Ou que sejam aquilo que queremos que sejam. Mas isso é uma ilusão. Os nossos filhos serão aquilo que tiverem de ser. Deixarão a marca no mundo que nasceram para deixar. E é desde a infância que muito deste propósito de cada um de nós se manifesta.

Podemos fazer diferente ou podemos escolher fazer o que os outros fazem, mesmo quando o nosso coração não concorda.

Podemos conduzir os nossos filhos numa direcção oposta àquela que trazem para dar a si próprios e de si próprios, a nós, ao mundo. A escolha é nossa. Podemos catalogá-los ou tentar entendê-los. Escutá-los. Ensiná-los formas gentis de discordar connosco. Porque têm esse direito. Como pais não somos seres omnipotentes. Por mais que muitas vezes achemos que somos. Porque fomos educados assim. Porque os outros nos dizem que é assim.

Não há crianças desafiadoras. Este é um dos grandes mitos acerca das crianças que tem vindo a prejudicar seriamente a forma como ainda educamos os nossos filhos.

Não há crianças desafiadoras.

Se discordarmos vivamente com a opinião de alguém, seremos desafiadores nós próprios? Ou estaremos apenas a querer manifestar a nossa opinião discordante? Imaginemos que alguém nos diz alguma coisa com a qual não concordamos de maneira nenhuma. Uma coisa que nos choca, magoa ou mexe com as nossas convicções. Seremos desafiadores se respondermos? Sabemos sempre responder da forma mais correcta?

Como pais, na maioria das vezes em auto piloto, não conseguimos olhar para o Grande Cenário das coisas. Da vida. Se olharmos para os nossos filhos com outros olhos, é muito interessante –é uma bênção! – viver com crianças com convicções fortes. Por vezes é um desafio. Mas isso não faz delas crianças desafiadoras. Talvez nos revejamos também um pouco nelas quando assim se manifestam e seja para nós difícil gerir as nossas próprias emoções. Será mais isso? Ou será porque aprendemos que os adultos têm voz superior à das crianças?

Por que razão achamos que uma criança com estas características é desafiadora?

Será porque realmente o sentimos ou porque há estímulos exteriores a dizer que é assim? Seremos desafiadores por gostarmos das coisas de uma certa maneira e não de outra? O que nos leva a achar que alguém é desafiador porque questiona ou discorda?

Porque será que de cada vez que uma criança responde ao adulto, expressando uma opinião forte discordante da nossa, aprontamo-nos a afirmar e a cataloga-la como desafiante? Crianças impacientes, que debatem ou se recusam a obedecer são pessoas que precisam de autonomia e espaço de manobra para se manifestarem.

Precisam de amor, compreensão e que os guiemos de forma gentil. Se assim o fizermos, tornar-se-ão adolescentes e adultos saudáveis, responsáveis e com um sentido de justiça fortíssimo.

Crianças com estas características estão nas nossas vidas para nos ensinar a agir de outra forma, a pensar de outra forma. São crianças que vêm instaurar um novo paradigma de educação, se estivermos dispostos a dar-lhes oportunidade de se exteriorizarem.

Estas crianças vêm ensinar-nos que as crianças sabem mais do que aquilo pelo qual lhes damos crédito. Vêm romper padrões, mitos, conceitos pré-estabelecidos.

Na sociedade moderna, a crianças ainda são vistas como seres menores. Elas têm de ser perfeitas. Fazerem o que lhes dizem, não têm quereres, têm de gostar daquilo que lhes dizemos que têm de gostar. Têm de ter boas notas, fazerem tudo o que esperamos delas. Têm de estar prontas no segundo em que as mandamos estar. Não podem falar alto com os pais, ou então são mal-educadas, nem podem responder, senão são desafiadoras. As crianças têm de gostar do que lhes damos para comer, tem de estar caladas porque nós queremos falar.

Mas serão máquinas operadas por comando? Carregamos no botão e elas fazem? Ou são pessoas? Terem os seus próprios gostos? Poderem exprimir-se quando querem e precisam?

Esquecemos que as crianças precisam de falar alto, precisam de revelar os seus gostos, as suas vontades e expor a sua opinião. São pessoas, por que razões não hão-de poder faze-lo? Admitamos que talvez seja porque não nos convém. De que forma vão aprender a pensar por si próprias, saber fazer escolhas, caso não possam exprimir aquilo que é tão natural ao ser humano? As crianças têm direito a cometer erros. Todos os dias. Tal como cada um de nós.

Todos erramos todos os dias, várias vezes por dia. Por que razão exigimos dos nossos filhos que eles sejam perfeitos?

Porque é que exigimos dos nossos filhos aquilo que nos próprios não conseguimos dar, fazer?

Todos somos seres vulneráveis, sensíveis. Todos com direito a ser quem somos. E as crianças também. Cada um a sua maneira, da melhor forma que sabe e pode.

Não há crianças desafiadoras. Há seres, com ideias inovadoras, sonhos próprios e agendas exclusivas que apenas querem expressar a sua voz no mundo.

 

imagem@Thinkstock

M. J. Silva é autora dos livros Rich Parent, Poor Parent – Discovering Your Purpose, da série The Rich Parent, sobre parentalidade positiva.
Jornalista, investigadora área do desenvolvimento emocional

Para além de livros sobre parentalidade, escreve também romances e livros infantis. É uma forte activista dos direitos da criança e do fim da violência contra as crianças.

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