Não quero estar infectada porque depois vou morrer!
Tem 12 anos. Tem 12 anos e não precisava do medo e da (des)informação que a atropela todos os dias, pela voz de tantos de nós, pela verdade das notícias que lhe entram casa adentro, ditas por gente séria e bem vestida, sem saber ela que a forma como a verdade das coisas é integrada, depende acima de tudo da forma com que a queremos contar.
Disse-me num choro compulsivo e quase angustiante:
“Não quero estar infectada porque depois vou morrer!”
Acho que andamos todos ainda um bocadinho distraídos em relação aos efeitos colaterais deste vírus.
Acho que estamos ainda a esquecer-nos da nossa responsabilidade enquanto educadores e do papel que cada um de nós tem de assumir para que este vírus não nos devore a todos e sobretudo, não devore a infância e a transforme para sempre num lugar menos bonito e até menos seguro. E quando falo de segurança não falo das medidas de higienização da infância, até porque essas têm sido alvo de um olhar atento desde o início, falo das medidas de PROTEÇÃO da infância. Falo da segurança emocional, da responsabilidade, da confiança, da coragem, e falo também da criatividade e da vontade de a descobrir.
Não será preciso ser-se especialista em desenvolvimento infantil para se imaginar que o isolamento e as medidas de restrição social prolongados deixam impactos relevantes no crescimento de uma criança, impactos estes que em muito poderão ser minimizados mediante a atitude e a responsividade dos adultos e dos contextos que a ajudam a crescer. É nisto que eu acredito, é na certeza de que é missão que cada um de nós, proteger a infância e atenuar os riscos associados ao desafio de uma epidemia à escala mundial.
Como perguntam vocês?
Primeiro com um amor imenso, daqueles que ajuda a suportar todas as batalhas, depois, com algumas ideias que poderão ajudar um bocadinho a que os dias sejam um bocadinho mais felizes, e sobretudo não corram ao sabor de um bicho esquisito chamado COVID:
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Desligar a televisão, sempre que o assunto seja a infeção por corona vírus.
Não obstante a informação que transmitem (e que tantas vezes nos chega de forma manipulada), os media têm como principal função alarmar, apenas e só, porque é isso que vende. Uma criança que assista constantemente ao tipo de discurso que lhe chega por esta via, é uma criança que não será capaz de filtrar a informação e de a relativizar da mesma forma que um adulto e que por isso ficará assustada e sem capacidade de se tranquilizar face aos recursos internos de que dispõe.
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Falar com as crianças de uma forma concisa, segura e informada acerca das medidas de prevenção:
Máscara em espaços fechados ou com muita gente e lavagem das mãos mais frequente. É apenas isto na verdade que precisam de saber, é apenas isto que todos podemos controlar e é a forma como o comunicamos e a nossa capacidade o de transmitir à criança, que farão com não tenha de se preocupar com o resto, o que fará toda a diferença.
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Honrar a família e os espaços comuns.
Rotinas, tradições, rituais familiares devem manter-se o mais possível. Jogos em família, sessões de cinema, lanches divertidos… tudo o que possa contribuir para um sentido de normalidade, tornar-se-á ainda mais protetor no contexto em que vivemos.
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Aproveitar o ar livre o máximo de tempo possível.
As restrições no contexto escolar significaram, na maioria das situações, a alteração das rotinas de recreio e a limitação do usufruto dos espaços. As crianças precisam de correr, de trepar, de pular, de explorar, e essa é uma necessidade vital que às vezes parecemos ignorar. Se tal não pode acontecer na escola, então é preciso procurar outros lugares que o permitam. A praia, o campo, o jardim continuam a ser espaços onde é possível esta liberdade e esta conexão com a natureza, tão essenciais à saúde física e mental.
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Falar sobre as emoções
Falar sobre a forma como nos sentimos e pensar em conjunto naquilo que cada um pode fazer para se sentir melhor, sempre que os dias pareçam mais difíceis. Pode ser interessante criar uma “caixa de ferramentas emocionais ” da família, na qual cada um coloca uma ideia para pôr em prática sempre que se sinta mais triste, ou ansioso, ou até zangado: ler um livro, conversar, “dançar à maluca” na sala, ouvir música, passear na natureza, jogar um jogo, fazer biscoitos, contar uma história…
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Cuidarmos de nós.
Quando os adultos estão conscientes das suas próprias emoções e sentem confiança na sua capacidade para lidar com os desafios, as crianças aprendem a fazê-lo também, sendo este um dos maiores preditores da saúde mental de crianças e adolescentes. Cuidarmos de nós implica que sejamos capazes de nos regular emocionalmente, que tenhamos espaços ao longo da semana para nós, para praticar atividade física, para nos alimentarmos e dormirmos bem, para nos relacionarmos com outros adultos que nos fazem bem e para nos oferecermos pequeninos mimos que funcionam como verdadeiros balões de oxigénio. E isto é talvez aquilo que de mais importante podemos fazer para proteger os nossos filhos.
“Não quero estar infectada porque depois vou morrer”
Ainda que existam coisas que não estão ao nosso alcance e que, curiosamente, são precisamente aquelas com que nos bombardeiam todos os dias, existem muitas outras em que podemos realmente significar a diferença, tais como a confiança, a contenção emocional, a capacidade de estimular e aceitar a livre expressão emocional dos nossos filhos e depois, muito, a capacidade de manter a calma e privilegiar todos os momentos que sirvam para honrar a infância, tais como a brincadeira, o sentido de humor, a fantasia.
Acredito que é esta a nossa missão de adultos num contexto difícil como o que vivemos e que é também isto que podemos fazer perdurar para que um dia, ao falarmos dos tempos estranhos que todos vivemos, falemos sobretudo da forma corajosa e bonita como juntos soubemos enfrentá-los…
Desenvolve atividade formativa com pais, docentes e assistentes operacionais, maioritariamente nos domínios da Disciplina Positiva.