Não quero ser mãe de uma bully, nem de uma vitima

Não quero ser mãe de uma bully, nem de uma vitima

Não quero ser mãe de uma bully, nem de uma vitima

Quando era mais pequena sofri de bullying de uma suposta amiguinha.

Era a filha de umas das grandes amigas da minha mãe. Na altura chamava-se mesmo ‘levar porrada’ de ‘amigos’, e toda a gente sabia. A minha mãe dizia-me muitas vezes ‘tens que te defender, filha!’ e ás vezes ‘não me chateies mais com isto! Porque é que não lhe dás também?’

A amizade entre as duas mães ficava muitas vezes tremida.

Zangavam-se porque uma dizia para a outra fazer com que filha não usasse tantas vezes as botas ortopédicas nos pontapés com que atingia a amiga, leia-se a mim. A mãe da ‘bully’ dizia ‘a tua filha em vez de fugir a chorar para fazer queixinhas, tem que se defender. Quanto mais mostra medo mais a minha lhe bate!’.

Nunca me defendi. Nem eu, nem as dezenas de outras crianças que a tentaram confrontar ou fugir do seu radar, mas que não escaparam das suas potentes botas ortopédicas, nem as dos seus amigos que pertenciam à sua mini gangue.

Lembro-me de só estar feliz que nem uma cobarde das vezes que, ainda foram algumas graças a Deus, caía nas suas boas graças e, não era eu o alvo.

Afinal as nossas mães eram amigas! (Ironia)

Lembro-me de um dia, apresentar-lhe uma amiga, e já nem sei bem porquê, do nada, espetou-lhe um murro certeiro e quase cinematográfico no estômago. Percebi a mensagem, fiquei zangada, mas cantei baixinho. Sobrevivi, cresci e não, não estou traumatizada. Mas podia estar.

Quando me tornei mãe, decidi que iria fazer de tudo para a minha filha sentir que poderia contar comigo como mãe e amiga. Que a iria proteger ou dar-lhe ‘armas’ para se defender. Não queria, contudo, ser uma mãe histérica daquelas que à menor coisa corre à escola e leva tudo à frente.

Quando a minha filha não é a vítima

Quando a minha filha estava no primeiro ano do ensino básico, numa linda tarde de sol, estacionei o carro do lado de fora da escola. Ia busca-la para leva-la ao Ballet. Quando paro o carro viro a cabeça na direção da escola e vejo-a, linda, com as suas amigas. O cenário era perfeito, quase que tirei uma foto. Continuei a observar aquilo que parecia um momento idílico entre crianças. De repente, e enquanto saio do carro, reparo que uma das quatro miúdas está encostada à parede, nervosa a chorar. Não é a minha filha a vitima, é uma outra menina. A minha filha não é a principal instigadora, mas está do lado a sorrir, de quem está a colocar a outra menina nervosa e chorosa. Estou em choque! A minha filha é uma bully!! Grito para dentro de mim, e fiquei para morrer!

Enquanto a menina alvo dos ataques verbais de uma, e da complacência de outras duas, foge para longe, eu sigo-as  do lado de fora da escola enquanto seguem recreio fora como se nada tivesse acontecido. Sentam-se e começam a desenhar. De repente chamo pelo seu nome, sorri-me mas eu não estou a sorrir. Vêm ao meu encontro, pergunto-lhe diretamente ‘porque estava aquela menina a chorar e porque é que saiu de perto de vocês?‘ A minha filha estava encarnada que nem um tomate e perdera o piu. Uma das outras fazia-se de sonsa e perguntava ‘qual menina?’. Virei-me de novo para a minha filha e disse: ‘Pega nas tuas coisas temos que falar! Não vais ao Ballet hoje!’

Na volta para casa de carro fiquei um bom tempo calada.

No carro não havia a habitual música, nem os nossos desafinanços musicais. Estava triste e um pouco desapontada, mas apesar de tudo queria que confiasse o suficiente em mim e me contasse a verdade. Que admitisse e percebesse que o que fizera estava errado.

Antes de começar a falar viajei no tempo.

Lembrei-me de uma vez, quando eu e os meus colegas no ATL eramos vitimas de bullying psicológico e, um a um por cobardia abandonava o barco para se colocar do lado da bully e dos seus comparsas. Até que fiquei eu e uma outra colega, que resistíamos estoicamente. No final o medo tomou de novo conta de mim, e aí eu também abandonei o barco. Deixando a única verdadeira heroína do todo ATL sozinha. Não a insultei depois, nem a atacamos claro, apenas a deixamos sentir que era fraca e estava só. ‘Apenas’.

Nunca esqueci este episódio. Em que a cobardia levara o melhor de mim.

Mais uma vez fora cobarde, mas a verdade é que cada vez que me lembrava de levantar a garimpa a coisa corria mal para mim. Ainda uns meses antes, tivera a brilhante ideia de insultar a bully do alto do meu prédio ‘aqui não me apanhas!‘. A ela e ao seu temível grupo. A coisa parecia esquecida, até que uns dias depois, alguém me chamou do portão da escola. Cerca de dez miúdos e miúdas levantaram-se do lado de fora. Não haviam esquecido a minha ousadia, e aquilo saiu-me caro.

Mais uma vez sobrevivi. O mais estranho que possa parecer, e não sofro do síndroma de Estocolmo, mas lembro-me destas situações com algum sentido de humor. Mas não do momento em que por cobardia, traí uma coleguinha e aliei-me aos bullys.

Parei o carro, virei-me para trás e contei-lhe tudo.

Disse-lhe que é horrível passar pelo que eu passei. Que nunca devemos por cobardia aliarmo-nos a quem comete atos de bullying. Que apesar de tudo me lembro mais vezes do mal que fiz sendo cobarde, do que das vezes em que levei pontapés. E que não devemos ficar quietas perante a injustiça, mas muito menos cria-las. Ficou de castigo duas semanas, teve que pedir desculpa e por sua iniciativa disse às outras amigas ‘ sou vossa amiga, mas não vou concordar em fazer alguém chorar.’

Eu na altura falei com as outras duas mães, que pelo seus discursos acharam exagerado a minha reação.

Com sorrisos de soslaio diziam ‘já passou, agora vai negar tudo’.

Não as critico. É bem mais fácil aceitar que são coisas de crianças. E sim, talvez eu tenha exagerado um pouco. Mas não é de pequenino, que se torce o pepino? Não podia negar o que havia observado. Claro que tendo em conta que a minha filha é uma aluna exemplar, que os professores fazem questão de elevar o facto de ter respeito pelo outro, ter noção de justiça e de ser muito equilibrada, esta história deixou-me um bocado na dúvida.

E sim duvidei! Mas não me arrependo. Amo a minha filha, mas é um ser humano que erra, e ainda vai errar muito. Mas como plena encarregada de educação e mãe é o meu papel chamar-lhe a atenção na devida altura. Ninguém quer ser mãe de um  bully, nem de um potencial bully.

Quando no dia seguinte passei a pente fino toda a questão, tanto auxiliares como a professora, asseguraram-me de que sou mãe de facto de uma criança exemplar e que todos os dias aconteciam coisas do género e que ‘calhava a todas, sem exceção!’

De facto, calha a todos sem exceção. A uns mais que outros.

Admiro a minha filha, e às vezes temo estar a criar alguém com excesso de empatia e compaixão. Quando ao conversarmos sobre os problemas entre as amigas lhe digo ‘sabes se calhar essa menina faz isso porque ela tem imensos problemas e é insegura.’ ou ‘já pensaste que talvez ela esteja somente a chamar a atenção?

No entanto também me apercebi, porque isto da maternidade é uma aprendizagem contínua, que nós, adultos também não gostamos de todas as pessoas que passam pela nossa vida. Que também não aturamos tudo o que nos é atirado para cima.

Então porque é que forçamos esses padrões que nem nós cumprimos, aos nossos filhos?

Na verdade a escola é mesmo um teste para a vida adulta e em sociedade. Um mar de experiências umas boas, outras menos boas, mas é com as menos boas que aprendemos mais. Que aprendemos quem somos de verdade, ao aprendermos a reagir perante certas situações menos positivas. Que acima de tudo, devemos seguir o que é certo e nos deixa mais felizes.

Apesar de na escola haver inúmeros exemplos de que nós, pais, educamos os filhos de formas diferentes, não vou deixar de fazer o que acho certo. Mesmo que seja remar contra a maré. Às vezes questiono-me como poderei encontrar o equilíbrio. Não quero ser mãe de uma bully, mas também não quero ser mãe de uma vitima. Quero ser mãe da minha filha, segura, justa e feliz.

É então nestas alturas que a minha filha me surpreende, com a sua desenvoltura. Eu mãe mostro-lhe o caminho, ela pega no skate e por vezes caindo, vai também fazendo brilharetes.

 imagem capa @motherhoodthetruth.com

2 thoughts on “Não quero ser mãe de uma bully, nem de uma vitima
  1. Parabens Sónia, pelas lindas palavras que escreves (sei que são verdadeiras porque desde menina que te preocupas pelos outros) e pela pessoa maravilhosa que és e sobretudo pela maneira como estás a educar a tua Francisca . Beijokas

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