
Não tenhas pressa
Não tenhas pressa
Filha:
Cresce devagarinho, leva o teu tempo.
Não tenhas pressa.
Faz as tuas asneiras, reclama quando as coisas não te correm de feição, tenta colocar o triângulo na devida forma quantas vezes tiveres capacidade, até conseguires.
Não sabes mas a sociedade é feita de exigências. Espera-se que uma menina aja de certa forma, que um rapaz tenha determinadas atitudes. Sim, é verdade, estamos quase em 2020 mas a tua geração tem ainda um longo caminho pela frente. Depois, na escola, quando estiveres quase a entrar para a primária nem imaginas quais são os objectivos que deves cumprir.
Serás uma criança com deveres de gente grande. E a partir daí é uma bola de neve.
Na tua profissão, se tiveres sorte, poderás encontrar pessoas que são razoáveis, mas ainda existe muito a mentalidade dos pequenos poderes, das pessoas que pisam porque podem, das que não respeitam quem está abaixo de si porque se o fizerem perdem a força (tirânica) que os alimenta.
Mas nem tudo é mau, apesar de eu ter pintado um cenário um pouquinho escuro. Em abono da verdade, só queria com isto pedir-te que sejas criança enquanto és criança.
Que brinques tanto que te esqueças que, a brincar, também estás a aprender.
Tens tempo para reconhecer as cores, para saberes quanto é dois mais dois, para aprenderes a ler.
Para tudo há um tempo e o teu tempo é o de pedir colo e tê-lo. De ouvir histórias ao pé do ouvido. De cheirar as flores nos canteiros, de dançar sem qualquer vergonha quando o pai põe a tua música preferida a tocar.
É tempo de cumprimentar as pessoas que não conheces quando passas por elas na rua. De reparar como as árvores são altas e as formigas parecem pontinhos que se movem. De apontar para o ouvido e depois para o céu quando identificas um avião a aproximar-se.
Tempo de pedir para ficar um bocadinho mais dentro do mar. De chapinhares dentro da banheira na hora do banho. De ficares triste quando partes o teu boneco preferido. É tempo de pedir pão quando nos vês a comê-lo. De não esconderes a alegria que sentes quando reencontras alguém que já não vias há alguns dias.
Aos poucos (seria bom que não, mas é natural que sim…) irás moldar-te a ser menos espontânea, a seres mais discreta, a teres mais noção de quem está à tua volta e dos julgamentos que te dirigem.
Por isso, repito: não tenhas pressa.
Cresce ao teu ritmo, a ver o mundo com os teus olhos.
Este tempo é teu e nada nem ninguém te pode roubá-lo. Estamos aqui para garantir isso mesmo.
Vive como até agora, na tua inocência.
És feliz. Que isso se perpetue para sempre.
imagem@Weheartit
Autora orgulhosa dos livros Não Tenhas Medo e Conta Comigo, uma parceria Up To Kids com a editora Máquina de Voar, ilustrados por aRita, e de tantas outras palavras escritas carregadas de amor!