Não tens nada para dizer ao professor?
— Não tens nada para dizer ao João?
Hesitou um bocado mas, sem que fosse necessário insistir, lá desembuchou:
— Peço desculpa por me ter portado mal na última aula e ter ficado de castigo.
Confesso que fui apanhado de surpresa.
“O meu aluno não fez nada que não seja habitual em crianças de 7 anos e com que um professor, do que quer que seja, não esteja já habituado a lidar.”
Castigo é um termo que não costumo usar e, que me lembrasse, o Miguel não tinha feito nada de particularmente grave.
Lembrei-me então do sucedido na aula anterior. Apesar de ser uma criança muito bem educada e bastante afectiva, o Miguel não resiste a dizer o que lhe passa pela cabeça. Depois de ter passado muito tempo a interromper a aula por tudo e mais alguma coisa, não se conteve e respondeu-me com uma piada mais atrevida a um reparo que lhe fiz. Nada de grave como já atrás referi mas, diz-me a experiência, que há alturas certas para interromper um crescendo de “criatividade” que, certamente, desembocaria em asneira…
Também não uso o conceito de castigo nas minhas aulas.
O que fiz neste caso, e faço por vezes noutras ocasiões, foi pedir ao Miguel que se fosse sentar um bocadinho até eu dizer para regressar à aula. O seu regresso dependeria de um compromisso de nela querer participar. Passado um minuto, já o Miguel assumia insistentemente o dito compromisso e, portanto, regressou. Tudo bem, sem drama e com o habitual jogo no fim do treino.
Houve razão para que o pai do Miguel o obrigasse a pedir-me desculpa? Claro que não. Por duas razões: primeiro, o meu aluno não fez nada que não seja habitual em crianças de 7 anos e com que um professor, do que quer que seja, não esteja já habituado a lidar. Segundo, porque o espaço da aula de Aikido é da criança, dos seus colegas e do professor.
Por mais que lhes custe, os pais devem aceitar que há espaços em que não devem interferir.
Da mesma forma que não intervêm numa aula de matemática, os pais não devem intervir nas aulas ou treinos das actividades extra curriculares. É muito importante que as crianças saibam distinguir entre espaços: de casa, da escola e das outras actividades; que joguem com essas diferenças e adoptem diferentes atitudes em cada uma delas. Em cada espaço haverá regras diferentes e, se tudo correr normalmente, alguém empenhado no seu crescimento saudável e na sua felicidade. Alguma atitude menos correcta será tratada no momento; levá-la para casa será uma distorção do real valor do problema e poderá até criar resistências a um regresso no dia seguinte.
Há também os pais que não resistem a intervir durante o próprio decorrer da aula.
Por norma, prefiro que os pais não estejam presentes durante o treino de Aikido, mas é razoável que por vezes gostem de assistir e não sou fundamentalista neste aspecto.
É no entanto muito importante que os pais se mantenham o mais neutros possível e não “participem”. Um pai ou mãe que constantemente interfiram na aula, alertando as crianças a partir de fora para “ter maneiras”, para ter atenção ou para estarem quietas, está não só a roubar-lhe parte de um tempo que é seu, como a transformar a hora da aula em mais uma hora igual às outras todas.
Falo da minha actividade, claro, mas estou certo de que será igual em tantas mais: durante um treino de Aikido as crianças tomam decisões sozinhas, participam na organização do dito treino e são estimuladas a contribuir para o bom funcionamento do grupo.
Interferir na aula será, portanto, interferir na aquisição de instrumentos valiosos para uma educação mais completa.