Acordamos a correr, tomamos o pequeno-almoço sentados no sofá a tentar ver as noticias, despachamos os miúdos, penteio-me à pressa, devia meter base nesta cara de morta viva, não tenho tempo, voamos pelas escadas abaixo, a mãe não pode perder o barco, chegamos aos barcos, um beijo, até logo, vou ver se ainda apanho este, eu sigo para Lisboa e o meu marido vai levar os miúdos à escola, antecipo a mensagem quando vou a meio do rio, os miúdos ficaram bem, sem choros, eu sorrio, trocamos e-mail’s durante o dia, tantas vezes sobre os miúdos, as compras, o que vamos jantar, o raio das despesas, é preciso pagar a visita ao circo, pagar, pagar, pagar, uma ausência, para o ano vou não sei onde, eu suspiro, a cabeça regressa ao trabalho, estou farta disto, se eu pudesse mandar tudo mais alto que as estrelas, chega a hora de sair, ligo a avisar, o meu marido vai buscar os miúdos, os nervos do metro sempre com perturbações, as conversas dos outros, detesto pessoas, meto a música cada vez mais alta, envio mensagem a dizer qual o barco em que vou, chego ao outro lado do rio e já estão à minha espera, tentamos conversar no carro entre as birras dela e as cantorias dele, as perguntas sobre o dia com respostas tortas, afinal quero voltar para o trabalho, chegamos a casa, voamos pelas escadas acima, eu dou banho aos miúdos, o meu marido faz o jantar, birras para lavar a cabeça, vamos para a mesa, birras para jantar, não gosto disto, tu gostas disso, camadas de sono, mal conseguimos conversar, vão lavar os dentes e já para a cama, eu adormeço o mais novo, o meu marido a mais velha, levantamos a mesa, a loiça fica para lavar amanhã, arranjo a roupa para o dia seguinte, quem se despacha primeiro é o primeiro a adormecer no sofá, acordamos todos tortos depois da meia noite e arrastamo-nos para a cama, adormecemos até um deles acordar e vir para a nossa cama.
Na pressa dos dias, no carrossel das rotinas, envoltos em sono e cansaço, umas das coisas mais difíceis é não nos esquecermos de existir enquanto casal. Somos uma equipa do caraças que leva o barco para a frente haja o que houver. A casa, os filhos, o trabalho, as responsabilidades, mas também somos o que nos trouxe aqui, um homem e uma mulher que se amam e que se desejam.
As rotinas colam os nossos dias, não tenho medo delas, quero-as todas, o casamento não é feito só de fogo-de-artifício, mas o fogo-de-artifício faz parte e também o quero todo. Sem ele, sem o tempo para os dois, para o desejo, para o picante da vida, é fácil o afastamento. O casamento não é feito só de sexo, mas o sexo, para além de ser bom, é o reflexo da nossa intimidade enquanto casal. Sentirmo-nos desejados, homem e mulher, apesar de sermos pai e mãe é fundamental. É fácil ceder ao cansaço e adormecer no sofá, mas manter a chama acesa não é assim tão difícil. Um jantar a dois ou uma ida ao cinema que acaba num motel da beira da estrada, deixar os miúdos na avó uma tarde e regressar a casa sem medo de sermos apanhados pelos filhos e sermos obrigados a gastar as poupanças em terapia, uma escapadela de fim-de-semana no sitio mais improvável só para passarmos uma noite noutra cama, beber vinte cafés no sábado à noite para conseguirmos ficar acordados depois de adormecermos os miúdos ou mensagens provocadoras durante o dia. Vale tudo o que resultar.
Os filhos são a nossa prioridade, vinte e quatro horas por dia, todos os dias da semana, todos os meses do ano, eles esgotam a nossa energia e enchem o nosso coração de alegria e de vez em quando procurarmos lembrar-nos que somos mais que o pai e a mãe e arranjamos tempo para o fogo-de-artifício.
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Tenho nos meus filhos e no mundo depois dos filhos uma enorme fonte de inspiração e o blogue nasceu da necessidade de escrever sobre o lado menos fofinho da maternidade.