
O grito das crianças ou será o grito dos pais?
O grito das crianças ou será o grito dos pais?
Hoje trago-te uma partilha de uma conversa com uma mãe. Uma mãe que decidiu partilhar comigo a dor de uma criança que grita, que chora e que bate. Uma criança igual a tantas outras, com necessidades por preencher. Tal como nós, adultos.
Contava-me esta mãe que na escola da filha existia uma criança que demonstrava um comportamento totalmente descontrolado. Que fazia com que os pais das outras crianças ficassem sem saber o que fazer e demonstraram até a vontade de retirar os seus filhos daquela escola. Era uma criança com 10 anos que batia em todas as crianças e que gritava muito. Não conseguia ficar quieta e que usava frases como “Eu sou má”, repetindo vezes e vezes sem conta.
Esta escola está integrada num contexto que consegue dar às crianças todos os recursos necessários, excepto um. A resposta ao grito das crianças:
O amor incondicional.
Eu consigo imaginar o sofrimento desta criança ao colocar na sua identidade esta palavra. Apesar de que eu com a idade dela era o oposto. A tímida, a caladinha, a sossegada. Palavras que ficam marcadas na nossa pele, rótulos carimbados nos nossos corações. Percebo também a insatisfação dos outros pais. Nenhum pai gosta que os filhos cheguem a casa a dizer outra criança lhes bateu. Enquanto, pais, criança, escola, educadores, pais das outras crianças se debatem em praça pública, quem mais sofre no meio disto tudo? A criança que até hoje pediu ajuda à sua forma e até agora não teve uma resposta que a pudesse ajudar. Em causa, não está o amor destes pais, também os pais precisam de ajuda.
Continuamos a conversa e dizia eu a esta mãe, que as crianças têm muitos dons e, por vezes, os filhos gritam pelos pais. Dão voz às dores internas, as frustrações, as insatisfações, aos sonhos não concretizados, à falta de auto-estima dos próprios pais. Se não queremos que os filhos gritem as nossas dores, é o momento exato de pedir ajuda.
Pais e filhos têm igual valor mas a responsabilidade por manter a relação saudável é dos pais.
São os pais que têm os recursos necessários para promover o bem-estar dos seus filhos. E está tudo na relação, os pais são a ponte para os filhos conhecerem o mundo, desde do primeiro dia. São a ponte para explorar e e a ponte para regressar quando precisam de amor, colo, cuidados e segurança.
A conversa continuou a desenvolver-se com esta mãe até que ela me questionou “Como podem outros adultos e outras crianças amar uma criança tal e qual como ela é, sabendo que tem este comportamento?”. E eu pergunto-vos, que respostas dariam? Se fosse na escola dos vossos filhos o que fariam?
A minha resposta foi, em primeiro lugar, a necessidade de toda a comunidade praticar compaixão por aquela criança e pelos pais. Perceberem que quando estão a colocá-la à margem de tudo e de todos pelo seu comportamento, não estão a ajudar a criança, pois ela própria já diz “Eu sou má”.
Se, em alguns momentos das nossas vidas, abrandássemos o ritmo, olhássemos sem julgamento e para além do comportamento, o que será que viríamos naquela criança que hoje não vemos?
Como podemos ajudar uma criança que já diz “Eu sou má”, a retirar da sua identidade palavras destrutivas?
Como podemos cuidar da auto-estima de uma criança e, até da auto-estima dos adultos?
Com palavras, amor incondicional e cuidados.
Se nos lembrarmos que a criança não é um comportamento, mas sim que a criança está a ter um comportamento, os rótulos deixam de existir e fica presente o amor incondicional. O amor incondicional é pela criança em si e não aparece e desaparece consoante o seu comportamento. Neste caso, esta criança não é sempre má, mas as palavras e o contexto fizeram-na acreditar que sim. Se não, porque repetiria tantas vezes para si própria “Eu sou má”? Nesta escola e noutras escolas, todas as pessoas conhecem os alunos “problemáticos”, só isso diz muito sobre o nosso sistema.
Que gritos internos darão estes pais? Como se sentem? Como se vêem? Que pedidos de ajuda já fizeram?
Pedir ajuda, hoje em dia, ainda é tabu, ainda nos leva a pensar o que vão pensar de nós. Enquanto que pedir ajuda devia ser visto como pedir uma mão, pedir um tempo, pedir uma pausa para escutar o que vai na alma dos pais. Por isso, é tão importante o sigilo e profissionalismo. Só assim, os pais sabem que podem contar connosco.
É necessário, cada vez mais, existir uma rede de apoio sólida e construtiva que veja para além do comportamento da criança, que veja toda a família. Quando ouvimos uma família e escutamos cada elemento, ajudamos cada um a encontrar-se no meio daquela família.
Aos olhos da Parentalidade Consciente, para além do que olhar para além dos gritos das crianças, devemos escutar com compaixão, sem julgamento, com total aceitação, o que está para além dos gritos dos pais. Pois somos nós, os adultos que mais precisamos de colo, de carinho, de afecto, de abraços, de palavras amigas e de respostas de ajuda. Isso é visível nas crianças. Não precisamos que nos digam como fazer e quando fazer. Não precisamos que nos digam que estamos a fazer mal e que há quem faça melhor. Precisamos que nos digam que estão connosco.
O grito das crianças… Quantas crianças gritam hoje em dia? Quantos pais gritam? Quantos de nós ajudamos quando nos é solicitado? E ajudar sem dizer “faz-assim-que-assim-funciona”?
Um abraço carinhoso.
O grito das crianças ou será o grito dos pais?
Uma frase da Virginia Satir, terapeuta familiar muito reconhecida que nos pode ajudar a todos a colaborar em comunidade e em família:
“Eu quero amar-te sem te absorver,
Ver-te sem te julgar,
Juntar-me a ti sem te invadir,
Convidar-te mas sem exigir,
Deixar-te ir sem culpa,
Criticar-te sem te ferir e
ajudar-te sem te insultar.
Se eu puder ter o mesmo de ti, então podemos realmente encontrar-nos e beneficiarmo-nos mutuamente.”
– Virginia Satir
Sempre senti em mim a coragem de ajudar o próximo. Sentia que o caminho começava por mim, enquanto pessoa e como terapeuta e rapidamente percebi que esse caminho é para a vida toda.
Desculpe ajeitar a sua tradução (abaixo), mas é uma questão de língua portuguesa.
Há casos de «palavras» ou «orações» que fazem mudar a posição do pronome reflexo.
Dizem os gramáticos que a posição «normal» do pronome muda: «Nas orações que contêm uma palavra negativa (não, nunca, jamais, ninguém, nada, sem, etc.) quando entre ela e o verbo não há pausa.»
Sei que hoje em dia a linguagem evolui para uma grande flexibilidade, que aceita formas diferentes com facilidade, mas sei que compreende o que digo se lhe der este exemplo (errado, o primeiro): «Amo-te e não vejo-te» / «Amo-te e não te vejo» ou «Amo-te sem ver-te» (menos correcto), mas «Amo-te sem te ver».
(Ah! Importante: na última linha não é «poder», mas «puder».)
Desculpe esta intromissão.
Segue o poema:
“Eu quero amar-te sem te absorver,
Ver-te sem te julgar,
Juntar-me a ti sem te invadir,
Convidar-te mas sem exigir,
Deixar-te ir sem culpa,
Criticar-te sem te ferir e
ajudar-te sem te insultar.
Se eu puder ter o mesmo de ti, então podemos realmente encontrar-nos e beneficiarmo-nos mutuamente.”
– Virginia Satir