
O meu filho está doente
O meu filho está doente
Já passa da meia-noite. Deitado ao meu lado o Pedro vai descansando num sono leve e constantemente interrompido por gemidos. As bochechas absurdamente rosadas não enganam: a febre disparou outra vez.
Estamos há mais de vinte e quatro horas nesta dança onde volto a vestir a farda com que trabalho todos os dias. A questão é que no hospital sou “só” enfermeira e aqui, no nosso quarto, a sentir o calor exagerado que emana do corpo do meu pequenino, sou uma mãe que, por acaso, também é enfermeira lá fora.
Aqui, com o meu filho, o meu discernimento perde-se um bocadinho e esqueço-me que a febre significa que o sistema imunitário dele está a funcionar e que até às 72h não são necessárias preocupações. Aqui não quero saber de fisiologia, normas hospitalares ou protocolos de actuação. Aqui tenho o coração mais pequeno que uma noz. Aqui só quero que a doença vá embora e deixe o meu menino em paz.
Há meia-dúzia de meses, à porta da Unidade de Cuidados Intensivos onde trabalho, uma mãe desesperada dizia-me entre lágrimas engolidas que dava tudo para poder trocar de lugar com o filho. Nessa tarde eu dei-lhe a mão e disse-lhe que a compreendia. E a verdade é que a cada dia que passa a compreendo um bocadinho mais.
Somos mães.
Somos mães, não estamos preparadas para ver os nossos filhos sofrer. Se for preciso lutar contra moinhos de vento para os termos felizes nós lutamos, se for preciso ir à lua nós vamos, se for preciso dar a nossa vida nós damos. De boa vontade. Sem pensar duas vezes.
Hoje a minha casa permaneceu arrumada, houve pouco barulho e o sofá chegou ao fim do dia sem migalhas. E eu tive saudades da gritaria, dos constantes pedidos de pão e das peças de Lego espalhadas.
Os olhos do meu filho que costumam ser brilhantes de felicidade hoje estiveram brilhantes por culpa da febre.
Quem me dera ser eu no lugar dele.
Hoje o meu filho está doente. E o meu coração também.
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E entre fraldas, papas e peças de Lego é isso que vai fazendo. Ou pelo menos tentando. Quando era miúda dizia que queria ser professora de ballet e que não queria ter filhos. Depois cresceu, mudou de ideias, licenciou-se em enfermagem e teve dois filhos em dois anos.
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