O meu marido não ajuda, o meu marido faz.
Cada vez que alguém me pergunta se o meu marido me ajuda, apetece-me desatar aos pontapés.
O meu marido não ajuda, o meu marido faz.
O que me enerva não é apenas a pergunta, mas também que a pergunta seja sempre feita por mulheres, como se o tempo em que o homem chegava a casa e se sentava à frente da televisão à espera que o jantar estivesse na mesa não tivesse acabado. E se ainda não acabou para algumas, peço desculpa, mas são umas valentes parvas.
Duvido que os meus avôs tenham feito mais que sair de casa de manhã para trabalhar, que alguma vez tenham mudado as fraldas aos filhos, que lhes tenham dado banho ou que tenham esfregado roupa no tanque. As minhas avós eram donas de casa e, como a maioria das mulheres, tinham o dona de casa colado ao corpo, mas não mandavam nada. Era preciso trazer dinheiro para casa e esse era o papel que a sociedade entregava aos homens.
O mundo, entretanto, deu muitas voltas.
Não é perfeito, é verdade, ainda não é fácil conjugar a maternidade com o trabalho, mas já não somos, em maioria, donas de casa. As mulheres estudam, trabalham e ganham dinheiro – menos que os homens, não se esqueçam. E, mesmo assim, continuamos a trabalhar mais que os homens em casa e a gastar mais horas a cuidar dos filhos e em tarefas domésticas. E porquê? Expliquem-me como se eu fosse muito burra. Acordamos de madrugada, passamos o dia a trabalhar fora de casa, chegamos exaustas e vestimos a farda de donas de casa porquê? Se dentro da nossa casa, na nossa família, não estivermos em pé de igualdade com os homens, onde e quando vamos estar?
Atenção que isto não é um manifesto feminista.
A culpa não é só dos homens preguiçosos, é também das mulheres que arranjam desculpas e não deixam os homens participar nas tarefas domésticas, como se eles não tivessem duas mãos capazes de ligar um aspirador na tomada e andar com ele pela casa. A sério, acham que é preciso um curso superior para aspirar migalhas?
– “O meu marido não se ajeita a dar banho aos miúdos.” Paciência, eles tomam banho todos os dias, não podem estar assim tão sujos.
– “Quando sou eu a lavar, a casa de banho fica bem lavada.” Fechem os olhos, daqui a uns dias é preciso lavar outra vez.
– “A culpa não é dele, a mãe nunca o ensinou a cozinhar.” O que não falta no Youtube e na internet são receitas. Se tudo falhar, há sempre uma churrasqueira em cada esquina.
– “É melhor ser eu a vestir os miúdos, para eles irem para a escola com roupa que combine.” A minha filha tinha poucos meses, eu deixei a roupa arranjada para o pai ir com ela às vacinas e ele vestiu-lhe o casaco por baixo do vestido. Estava linda e sobreviveu ao trauma.
– “O meu marido não sabe qual é o programa da máquina de lavar.” Saber qual é o programa para lavar a roupa está no vosso currículo logo por baixo da aptidão para trabalhar em equipa, certo?
As desculpas podem ser muitas, mas se tivermos vontade, encontramos resposta para todas. Deixem os homens limpar o pó, mesmo que eles não limpem atrás dos livros, ensinem os vossos filhos a passar a ferro, um dia eles podem precisar de uma camisa passada, e ensinem as vossas filhas a exigir igualdade, só assim elas vão deixar de ouvir perguntas idiotas que dão vontade de desatar aos pontapés.
imagem@paideverdade
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Tenho nos meus filhos e no mundo depois dos filhos uma enorme fonte de inspiração e o blogue nasceu da necessidade de escrever sobre o lado menos fofinho da maternidade.