Fez ontem uma semana que o meu pai, depois de uns dias internado, teve alta do hospital para nossa casa.
Percebi no momento em que o pai ligou a dizer que ia sair naquele dia, que onde mais lhe apetecia estar e o mais seguro seria ficar connosco. Em nossa casa. Exactamente como, não há tantos anos atrás, também a casa dele, ou melhor, a dos meus pais, foi o meu lugar seguro. Foi onde mais me apetecia estar e o único lugar onde me fazia sentido existir.
Quando lhe dei a mão para o ajudar a entrar no carro e percebi a sua fragilidade fiquei assustada.
Sobretudo até perceber se eu estaria à altura do desafio de o ajudar na sua recuperação. Mesmo que seja por pouco tempo. Dei comigo a divagar sobre o que ele terá sentido nesse momento e se se estaria a recordar de quando, há 41 anos atrás, me pôs a mim no carro, primeira filha, para me levar para casa. Expectativas diferentes mas um mesmo sentimento: o amor mais descomprometido e duradouro de todos, o de pai e filha.
O mundo não está ao contrário
Confrontada com a nova condição de cuidadora, com o cuidado de proteger e não o do conforto de ser protegida, foi como se virassem o meu mundo ao contrário. Ainda ontem era o meu pai que me dava a mão para amparar os meus primeiros passos e agora é a minha que lhe serve de bengala. Mas afinal, o mundo não está ao contrário. É apenas o mundo a ser mundo, a girar sobre si próprio. Umas vezes estamos firmes e de pé e outras em desequilíbrio e ao contrário. E é tão bom sentir que, mesmo quando de cabeça para baixo, tudo se mantém no seu lugar.
Nesta última semana os meus filhos têm superado todas as minhas expectativas. É nestas alturas que vejo alguma coisa devo andar a fazer bem. O João Maria, no auge dos seus 13 anos que marcam uma adolescência já há muito anunciada, está há 8 dias sem a privacidade do seu quarto e sem o conforto da sua cama. Disse-me à noite, enquanto eu aconchegava no sofá, “mãe, o avô fica o tempo que for preciso, eu estou muito bem aqui”. O Kiki comentou comigo antes de ontem: “Mãe, vê-se mesmo que o avô se sente muito melhor aqui”. O bebé Zé já ajuda com os medicamentos e leva para a mesa o que corresponde à hora do jantar. E ontem, em dia de greve, com o bebé Zé sem escola, fizeram companhia um ao outro toda a manhã.
O tempo que passamos juntos
Temos passado muito tempo juntos e isso já não acontecia há muito tempo. Aliás, os seis, assim juntos, nunca tinha acontecido. E isso é bom. Muito bom.
O nosso paciente está muito melhor. Também com enfermeiros destes não se esperava outra coisa, e ficará connosco o tempo que precisar para se recuperar.
Agradecemos o facto de confiar em nós, de estarmos perto e de podermos todos contar uns com os outros.
A nós os 5 juntam-se dois cães e uma cabra anã, que afinal é um ele mas recuso-me a trata-lo por bode. Tenho material do bom em casa, histórias nossas que podiam resultar em gargalhadas, mas tenho três filhos que já sabem ler e não gostam que conte, nem um terço da acção que por aqui se passa. E eu respeito.